capa do episódio

pitoresco: o desejo homoerótico na arte

Os museus estão cheios de obras de arte que representam o nu feminino feitas por artistas homens. Mas isso não quer dizer que o corpo masculino não tenha atraído para si desejos de diferentes naturezas. Neste episódio, contamos a história de homens que amaram outros homens, criaram imagens de suas paixões ou sofreram por conta do preconceito. Gustavo Hatashima, poeta, professor da educação básica e mestre em educação, me ajuda a dar voz a esses personagens.


Transcrição do episódio

Música de abertura

Bárbara: Eu abro uma aba nova do meu navegador de internet, digito o nome de um museu e sou levada a percorrer suas galerias por um tour virtual. Eu atravesso suas salas amplas, bastante claras, e reparo nas obras de seu acervo. As pinturas são bastante convencionais em seus estilos e as esculturas representam corpos em bronze e protótipos em gesso.

Os corpos femininos são maioria esmagadora nas representações, mesmo que as mulheres não sejam nem a metade das criadoras daquelas obras. Esses corpos estão nas mais variadas funções em cada uma dessas obras. Em uma delas é um corpo nu, sem pêlos e branco, sendo carregado por três querubins pelos céus. Já no canto de uma das salas, uma mulher, em pé, com adereços indígenas na cabeça e no pescoço, e vestindo nada mais, nos olha de cima sorrindo. São inúmeras mulheres nuas representadas entre homens. Eles, em geral bem vestidos, contam histórias de povos e nações em telas muito bem acabadas.

A gente se habituou a imagens de corpos femininos evocando deusas e musas. Uma longa tradição feminista discute essas imagens, os seus discursos de poder, os retratos de desejos sexuais executados por pintores muito competentes nos seus ofícios. No entanto, as imagens de corpos masculinos parecem ocupar outro espaço. Longe do desejo sexual, convertidos em deuses, em pais, e em heróis.

Mas isso não quer dizer que o corpo masculino não tenha atraído para si desejos de diferentes naturezas. Resta saber onde estão na História da Arte os homens que amam outros homens. Onde estão os homens que acham outros homens belos? E os homens que narram seus amores por esses corpos? Há por aí homens que desenham e que também desejam homens?

Meu nome é Bárbara Carneiro e este daqui é o Pitoresco.

interlúdio

Gustavo: E assim por diante, uma obra após a outra. E com muitas vivências eróticas também, para dizer a verdade homosexuais (sic), com grandes alegrias e tremendas decepções também. Nunca me conformei com os ensinamentos dos meus psicanalistas, de que eu devia ser só heterossexual, porque isto é normal. Aceitei ambas as coisas: a homosexualidade manifesta, como também a heterosexualidade. Então eu sou um andrógino, e assim é também toda a minha criatividade. E acho que isso é muito típico dos artistas – e de toda pessoa criativa – seja manifesto ou camuflado.

Bárbara: Eu encontrei essa citação na Revista Ide, numa edição de 1976. Publicada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise, esse trecho foi retirado de uma entrevista do psicanalista, poeta e colecionador de arte Theon Spanudis. Ali, ele relacionou a sua emergência como poeta à sua aceitação diante da não-heterossexualidade. Mas, mais importante do que isso, é o seu posicionamento contrário em relação aos psicanalistas que o formaram e que defendiam que o comportamento não-heterossexual era anormal.

Theon Spanudis nasceu em 1915 em Esmirna, um território que hoje pertence à Turquia, ali pros lados do Mar Mediterrâneo. De lá – por causa de uma guerra – ele migrou para a Grécia quando criança, e depois foi para a Áustria estudar Medicina e, em 1950, se mudou para o Brasil com o objetivo de auxiliar a formação de novos psicanalistas aqui no país. Foi em 2011 que Spanudis apareceu na minha vida e, de muitas maneiras, a transformou. Eu organizei a sua documentação no Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros lá na Universidade de São Paulo e, anos depois, estudei sua relação com a artista Eleonore Koch no mestrado.

Por isso, eu decidi que o último episódio dessa temporada de Pitoresco seria como uma homenagem minha a esse homem que eu nunca conheci. Um homem cujas vivências homossexuais foram um tabu, mas não para si. Para os outros.

No Brasil, Spanudis trabalhou com a Psicanálise por poucos anos. Mas não é muito claro até hoje o porquê do seu afastamento. Naquela mesma entrevista à Revista Ide, ele disse que esse era seu plano desde os mais tenros anos de formação, porque já imaginava que seria escritor e não conseguiria manter a sua dupla ocupação –

Gustavo: eu não poderia jamais fazer as duas coisas ao mesmo tempo: ambas exigem uma dedicação exclusiva. Os meus clientes me sugavam completamente, e o escrever também me suga completamente.

Bárbara: Foi no período em que trabalhou como psicanalista, sem ter meios de sobreviver apenas como escritor, que Spanudis começou sua coleção de obras de arte para satisfação estética. No entanto, no Dicionário da Psicanálise, os autores indicam que o afastamento dele se deu por sua declarada homossexualidade, orientação sexual que a Associação Internacional de Psicanálise àquela época não permitia entre seus associados.

Nenhum documento que eu consultei na minha pesquisa e que estão no arquivo tratava do afastamento dele por esse motivo, e, por isso, talvez seja mais adequado falar em proscrição, ao invés de banimento ou proibição, que é o que propõe o pesquisador Lucas Bulamah. Há muitas maneiras de um ambiente ser desconfortável para grupos minoritários que não precisam ser somente pela impossibilidade de acesso a eles. Às vezes as pessoas estão dentro desses espaços e não são bem acolhidas.

O ambiente artístico pode ter sido o local onde Theon Spanudis encontrou refúgio para ser como era. E por mais que pensamentos conservadores tentem dizer que “antigamente não tinha isso”, foi na São Paulo dos anos 1950 que Spanudis foi viver, com sua família, com seus interesses e com sua orientação sexual. Numa pesquisa feita por José Fábio Barbosa da Silva, em 1958, e recuperada por James N. Green e Ronaldo Trindade, chamada Homossexualismo em São Paulo: Estudo de um grupo minoritário, o autor escreveu que:

Gustavo: apesar de a visibilidade do grupo se fazer por meio de indivíduos isolados, ela tem existência real e possui, para seus componentes, o mesmo significado que os demais grupos. A sociedade global, porém, vem tomando mais consciência da extensão do número de indivíduos que fazem parte do grupo homossexual, porque, em certas datas e em certos locais, há uma concentração e visibilidade dos homossexuais (como no carnaval, o baile do Teatro João Caetano e do Recreio, no Rio de Janeiro). É a partir da observação dessas situações isoladas que a maioria começa a perceber a importância numérica e atuante do grupo minoritário.

Bárbara: Ao explicar o interesse em estudar a homossexualidade masculina na São Paulo dos anos 1950, Silva contrapôs aspectos de uma cultura tradicional brasileira centrada na família patriarcal e machista com a transformação pela qual passava a capital paulista naquela época. As migrações internas e externas que conformaram a população proporcionaram àqueles que não se adequavam à orientação heterossexual a possibilidade de anonimato em um espaço de maior diversidade. Apesar dos poucos mais de seis milhões de pessoas que habitavam a cidade e da alta concentração de renda e estratificação social, o autor aponta como caminhos para a mobilidade social desse grupo minoritário a educação, o dinheiro do comércio e a arte.

Enquanto os discursos médico e psicanalista daquela época entenderam a homossexualidade como um desvio ou uma doença, rodeado de artistas Theon Spanudis parecia estar mais acolhido na cidade em que viveu seus últimos 36 anos de vida.

interlúdio

Bárbara: Mas nem sempre o mundo das artes é ou foi acolhedor a esses homens que desejavam outros homens. Em começos do século XX, o artista Virgílio Maurício foi vítima de diversos boatos a respeito de sua sexualidade.

Maurício nasceu em Lagoa da Canoa, Alagoas, em 1892, a muitos quilômetros de distância do Rio de Janeiro, centro artístico nacional naquela época. Em sua trajetória artística, passou por diferentes estados do Brasil e teve uma temporada em Paris custeada com recursos próprios.

Alvo de muitas desconfianças sobre seu sucesso, Maurício sofria com boatos que diziam que suas obras não foram feitas por si mesmo, mas sim encomendadas por ele a artistas franceses. Não ter frequentado instituições famosas de sua época, como a Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, ou então os locais de ensino privado na capital francesa, levantava dúvidas sobre a sua trajetória por seus próprios colegas de profissão. Gabriela Pessoa de Oliveira, que pesquisou a história desse pintor, escreveu que havia algo ainda pior para seus pares, além da desconfiança de seu talento:

Gustavo: Entre os discursos acusatórios que versavam sobre plágios, ética artística e recusa de seu nome, era perceptível que a presença de Maurício era incômoda por outro elemento: enquanto homem, não correspondia a um padrão de masculinidade compartilhado entre seus pares.

Bárbara: Nos jornais da época, Virgílio Maurício era tido como um perigo “aos chefes de família”, ele era um “dândi”, ou um “efeminado saltimbanco”. Isso sequer foi amenizado depois de sua morte, com descrições que reforçavam a feminilização da sua figura. O problema moral dos supostos plágios que cometera era equiparado ao problema moral de sua aparência e sexualidade. Nenhum documento do artista confirma que fosse homossexual, mas seu jeito de ser era descrito com incômodo mesmo por seus apoiadores. Gabriela Pessoa recuperou em sua pesquisa um trecho assim, assinado por Povina Cavalcanti e publicado na Gazeta de Notícias de 5 de agosto de 1923:

Gustavo: Um dia, em 1915, estava eu à beira do cais, nas Docas da Bahia, próximo a um paquete nacional que atracara ali, havia pouco quando meu olhar displicente foi chamado a ver um jovem de roupas parisienses, muito afetado de maneiras, que falava pelos cotovelos, dando mostras de possuir muito talento, que nenhum disfarce elegantemente procurava ocultar e que era, pelo contrário, confessado com certo impudor, que me fez mal aos nervos!

Bárbara: Suas obras não tematizam o amor entre homens e seguiam à risca os preceitos da arte do momento. Uma pintura sua chamada “Após o sonho” de 1912 representa uma mulher de pele clara deitada, completamente nua. Os longos cabelos dela se espalham pela superfície da cama em que parece acabar de acordar, por sua expressão de devaneio. A sua mão direita está prostrada sobre seu colo, perto de seu seio, e não se vê sua mão esquerda. Há um contraste marcante entre o fundo vermelho e a roupa de cama em tons de amarelo. Essa obra pertence ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Virgílio Maurício nunca confirmou nem desmentiu os boatos que o cercaram, dedicando-se a tentar focar em sua própria produção artística, também rodeada por uma grande sombra de desmerecimentos não superada sequer após sua morte, em 1937 na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Foi nesse mesmo ano, em 1937, nasceu, do outro lado do Oceano Atlântico David Hockney. Inglês da cidade de Bradford, Hockney teve a chance de viver sua sexualidade muito mais abertamente do que Virgílio Maurício. Nascido em um país que a homossexualidade só deixou de ser passível de criminalização em 1967, Hockney tematiza o afeto, o cuidado e o desejo entre homens nas suas telas.

Foi em meados dos anos 1960, incentivado por um colega de faculdade americano, chamado Mark Berger, que Hockney assumiu publicamente sua orientação sexual e transpos isso para suas obras do período. Sobre essa mudança de postura, em que se posicionava abertamente sobre sua homossexualidade, ele disse:

Gustavo: A abertura foi através das pinturas, não foi através de qualquer outra coisa. Naqueles dias, eu não falava muito. Eu estava certo de que eu era homossexual muito antes daquela época, mas eu só não fiz nada a respeito disso. Quer dizer, eu fiz um pouco quando eu era muito novo, mas nesse momento você não se preocupa com isso, você não pensa que há algo de estranho nisso. Quanto mais você se certifica disso, a princípio parecia simplesmente algo privado, mas daí quanto mais você se certifica disso, mais discreto você se torna. Você perde a inocência de poder não se importar completamente. Então o momento em que você decide que deve encarar o que você é, você se anima tanto, é algo que tira das suas costas. Não me importa nem um pouco o que eles pensam agora.

Bárbara: Uma obra de David Hockney chamada “Nós 2 garotos juntos agarrados” de 1961 tematiza a homossexualidade com traços quase abstratos. Duas figuras que lembram desenhos infantis, com seus corpos retangulares, e cabeça em formato redondo flutuando sobre esses corpos, parecem se beijar e se abraçar. Unindo esses dois corpos, a frase que dá título ao quadro: “Nós 2 garotos juntos agarrados”, que é também o título de um poema do poeta americano Walt Whitman. No canto, existem dois versos do poema de Whitman que descrevem ações dos personagens:

Gustavo: Apreciando o poder apreciando, esticando os cotovelos, os dedos agarrando/ Armados e intrépidos, comendo, bebendo, dormindo, amando.

Bárbara: O fundo em tons de azul e vermelho tem em destaque algumas palavras escritas em inglês na cor branca. Entre os dois personagens, a palavra “nunca” que aparece no poema no verso “Nunca deixando um ao outro”.

Ao longo da sua carreira, Hockney experimentou diferentes maneiras de se expressar em suas obras. Ele fez naturezas-mortas, e séries dedicadas às paisagens da área rural onde foi morar. Talvez ele seja mais conhecido por telas que representam piscinas de casas de Los Angeles. Em 1966, fez quatorze ilustrações para um livro de poemas de Konstantinos Kaváfis, que é um poeta grego que Theon Spanudis traduziu para o português quando morava no Brasil. Um dos poemas ilustrado por Hockney chama-se “Dois jovens de 23 a 24 anos”, e foi escrito em 1927:

Gustavo: Desde as dez e meia estava no café, / e esperava que aparecesse logo. / Foi-se meia-noite – e ainda o esperava. / Foi-se uma hora e meia; esvaziara-se / o café quase por inteiro. / Cansou-se de ler jornais / mecanicamente. Dos seus escassos, três xelins / restava apenas um: tanto tempo esperou / que gastou os outros em cafés e conhaque. / Fumou todos os seus cigarros. / Esgotava-o a espera demasiada. Pois / assim sozinho como já estava por horas, começavam / a ocupá-lo pensamentos importunos / da sua vida desviada. / Mas quando viu o seu amigo entrar – de pronto / o cansaço, o tédio, os pensamentos fugiram. /  Seu amigo trazia uma notícia inesperada. / Ganhara no jogo de cartas sessenta libras. / Seus belos rostos, sua juventude maravilhosa, / o amor sensual que tinham entre si, / refrescaram-se, avivaram-se, acentuaram-se / com as sessenta libras do jogo de cartas. / E cheios de alegria e força, sentimento e beleza / foram – não para as casas de suas famílias honradas / (onde, aliás, nem os queriam mais): / a uma conhecida, e mui particular, / casa de perdição foram e pediram / quarto de dormir, e bebidas caras, e novamente beberam. / E quando acabaram as bebidas caras, / e quando aproximavam-se as quatro horas, / ao amor entregaram-se felizes.

Bárbara: Hockney e Spanudis debruçaram-se sobre a produção desse poeta que tanto dizia sobre vivências homossexuais. Ao reverberar a voz de Kaváfis, também reverberaram as suas próprias, o que é muito importante na construção de identidades e comunidades.

interlúdio

Bárbara: Em 2021, no mês de setembro, o ator Elliot Page apareceu no tapete vermelho do evento Met Gala, em Nova York, usando um terno com uma rosa verde em sua lapela. Elliot, um ator transgênero, parecia homenagear em seu traje o escritor irlandês Oscar Wilde, que foi condenado no final do século XIX por “atos de flagrante indecência” (que na linguagem da época quer dizer homossexualidade).

Oscar Wilde é associado a cravos verdes, uma flor que não existe dessa forma na natureza. Em 1892, ele teria dado a um dos atores de “O leque de Lady Windermere” uma flor dessas na noite de estreia da sua peça no teatro. Outras pessoas puseram essa flor na sua vestimenta também. E pouco depois o livro “O cravo verde” foi escrito por Robert Hichens que ironizava a relação homoafetiva de Wilde com Lord Alfred Douglas, antes mesmo de ele ser julgado. O livro, tal qual o romance mais famoso de Wilde, foi usado como prova de seus atos de indecência.

Ao longo do tempo, o cravo verde foi se tornando um símbolo de orgulho. Envolto pela atmosfera do movimento decadentista de finais do século XIX, Wilde advogava pelo excessivo e pelo artificial. A natureza podia ser interferida pela arte, deveria imitá-la, e não o contrário. A vida e a arte se misturavam, de forma a ser complicado dissociá-las. A transformação da flor de cravo verde num símbolo de si mesmo foi uma prova de que sua própria existência estava atrelada a suas vivências artísticas. E, finalmente, à sua orientação sexual. 

Oscar Wilde defendia a arte pela arte; isto é, que a arte não deveria ter outra finalidade que não ela mesma. Mas foi afinal vítima de sua relação e busca profunda pela Beleza como um fim. E isso parece evidente quando olhamos para seu romance mais famoso, “O Retrato de Dorian Gray”. Os personagens principais do livro são o pintor Basil Hallward, Lord Henry, um dândi decadente e irônico, e Dorian Gray, que é o jovem modelo do retrato. Oscar Wilde havia dito certa vez sobre esses três personagens:

Gustavo: Basil Hallward é o que eu penso que sou: Lord Henry o que o mundo pensa de mim: Dorian o que eu gostaria de ser – em outras épocas, talvez.

Bárbara: “O Retrato de Dorian Gray” parece, em suas entrelinhas, um romance homoerótico, em que dois homens se apaixonam pela beleza – e não necessariamente pelo dono dessa beleza – de um jovem narcisista. Hoje, com comparação entre versões publicadas e não publicadas do texto, sabemos que o erotismo dessas figuras foi deliberadamente delegado às entrelinhas, pois a homossexualidade no Reino Unido foi um crime até 1967. Em um trecho na página 147 da versão não-publicada, o personagem Basil dizia:

Gustavo: É bem verdade que eu te adoro com muito mais romance do que um homem deveria dar a um amigo. De uma maneira que eu nunca amei uma mulher … Admito que te adorei loucamente, extravagantemente, absurdamente.

Bárbara: Por que falar tanto então sobre um escritor num podcast de cultura visual? Porque a história toda de Dorian Gray se constrói em torno de um retrato, uma pintura dele que, como mágica, passa a representar suas imoralidades através de seu envelhecimento, enquanto o agente das ações permanece eternamente jovem. O romance se debruça em questões estéticas, da natureza do que é belo. Mas talvez revele algo mais.

O fato de não haver nenhuma relação homossexual na história e, ainda assim, ela ser de alguma forma relacionada à vivência de seu escritor parece um dado curioso nisso tudo. Afinal, o que se espera de um homem? Quais podem ou não ser seus interesses? Um homem pode admirar a beleza de outro? E de que forma o amor entre homens pode ser manifestado, expressado, sentido? E, de maneira mais geral, amar a beleza seria uma maneira de confrontar a masculinidade vigente?

Ao mesmo tempo em que um dos personagens do livro reclamava da forma como os homens tratam a arte como uma autobiografia, seu criador foi sentenciado tendo sua obra como uma prova contumaz de seus crimes. E ainda que Wilde tenha escrito certa vez que não era esperto mostrar seu coração ao mundo, alguém em um podcast mais de um século depois de sua morte ainda lerá um trecho de “O Retrato de Dorian Gray” se perguntando sobre como o amor de Oscar Wilde à beleza pode ter sido também o amor dele aos homens que achava belos:

Gustavo: O amor que ele nutria – pois era realmente amor – não continha nada que não fosse nobre e intelectual. Não foi aquela mera admiração física da beleza que nasce dos sentidos e morre quando os sentidos se cansam. Foi o amor que Michelangelo conheceu, e Montaigne, e Winckelmann, e o próprio Shakespeare.

interlúdio

Bárbara: Esse foi mais um episódio do Pitoresco. Como eu falei, o último da temporada. Não sei o que vem por aí, não dá para saber ainda. Os trabalhos de pesquisa, roteiro, edição e publicação foram feitos por mim mesma, Bárbara Carneiro. E eu contei com a participação muito especial do Gustavo Hatagima, que é poeta, professor da educação básica e mestre em educação e leu aqui as citações desse episódio.


Referências

aestheticism and decadence. british library

bárbara sesso carneiro. colecionismo e sociabilidade: relações entre theon spanudis e eleonore koch. dissertação de mestrado. universidade de são paulo são paulo, 2019

c. p. cavafis. poesía completa. trad: pedro bádenas de la peña. madrid: alianza editorial, 1991

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forbidden love: the original dorina gray revealed, direct from oscar wilde’s pen. the guardian, 2018

gabriela rodrigues pessoa de oliveira. um artista interdito: narrativas de desejo e exclusão acerca de virgílio maurício. anais do xxxviii colóquio do cbha, pp. 516-529, 2018

griselda pollock. encuentros en el museo feminista virtual. tiempo, espacio y archivo. madrid: ensayos arte cátedra, 2010.

gustavo brocanello regina. a máscara e o espelho: representações de masculinidades nos autorretratos acadêmicos brasileiros. dissertação de mestrado. universidade de são paulo são paulo, 2018

how oscar wilde painted over “dorian gray”. new yorker, 2011

josé fábio barbosa da silva. homossexualismo em são paulo: estudo de um grupo minoritário. In: green, James n.; trindade, ronaldo (orgs.). homossexualismo em são paulo e outros escritos. são paulo: editora unesp, 2005

marco livingstone. david hockney. nova york: thames and hudson, 1987

oscar wilde. o retrato de dorian gray. trad: josé eduardo ribeiro moretzsohn. são paulo: l&pm, 2001

peter gay. modernism – the lure of heresy


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