O crime do restaurante chinês começou a me cercar algumas semanas antes de eu poder lê-lo. Enquanto eu terminava os trabalhos da faculdade, o Caio se afundava nas páginas desse livro do Boris Fausto. Conhecendo meu namorado, comecei a ficar aflita pelo fato de ele ter acabado um livro com enredo policial e estar pronto a alvejar-me com trechos do livro. Depois de todos os elogios que ele fez durante a leitura, desesperei-me com a possibilidade de ele me contar o fim (o meio e o começo também) da história. Nada entusiasmada para colocar a mão nos ouvidos e cantarolar um “não tô ouvindo, lerolero!”, consegui do próprio Caio um exemplar emprestado. Como o livro foi lançado em 2009, a chance de encontrá-lo em bibliotecas é muito baixa e em sebos a preços convidativos é menor ainda.
Pra que ninguém precise tampar os ouvidos e cantarolar para esse post, prometo não falar nada revelador sobre o enredo do livro. Boris Fausto é historiador e um dos primeiros que li na faculdade, por causa da sua interpretação sobre a Revolução de 30 e a Revolução de 32. Pelo que me lembro daquele primeiro ano da faculdade, O crime do restaurante chinês só tem uma coisa em comum com esse texto: a década de 30. Da análise da política nacional para a história do cotidiano na cidade de São Paulo, o autor mergulha numa documentação fértil, nos autos do processo, nas manchetes dos jornais. Aos historiadores, vale a introdução do livro, em que em poucas páginas Boris Fausto fala de metodologia e do uso da micro-história. Mas ele avança para muito além da história.
Com a narrativa enxuta, pude avançar numa primeira leitura 105 páginas, encantada que eu estava por suas palavras, pela perspectiva de se investigarem os suspeitos, de se buscarem os motivos, a arma do crime. Talvez a última vez que estive tão empolgada num texto policial, eu tinha 12 anos e era fascinada pelas células cinzentas dum detetive belga com cabeça em formato de ovo. Assim como os textos de Agatha Christie na adolescência, só tive uma condição na minha leitura voraz de O crime do restaurante chinês: não leria depois do pôr-do-sol (rola uma mania persecutória, confesso!, desde aquela época).
O livro tem fotografias da São Paulo da década de 30, mas sua beleza não está nas imagens. Boris Fausto analisa a cidade e vai além: fala de futebol, da Copa do Mundo de 1938, de Leônidas da Silva, o Diamante Negro. Fala de carnaval, dos corsos nas ruas, dos bailes dos clubes, da velha rivalidade com o carnaval no Rio de Janeiro. Tudo isso por um motivo simples. O crime do título do livro acontecera em São Paulo na Quarta-feira de Cinzas de 1938. Envolvendo migrantes e imigrantes, questões como xenofobia, racismo e a composição populacional da cidade emergem na narrativa.
Boris Fausto faz uma ótima escolha ao pegar um fato corriqueiro numa cidade que se agiganta para analisar uma sociedade complexa e seus métodos de investigação, indiciamento e julgamento de um crime. Outro destaque é a repercussão desse processo na imprensa. Assim, o livro sai da análise histórica e permite por seus caminhos uma reflexão sobre o jornalismo, a medicina, a psicologia e o direito (só pra elencar algumas grandes áreas), o que já dá para a obra um público-alvo considerável.
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