memórias selecionadas

memórias selecionadas

Toda foto é resultado de escolhas do fotógrafo. O assunto e o enquadramento são as escolhas básicas, que serão completadas por outras escolhas, como da abertura da lente, o balanço do branco, o tempo de exposição. Muitas vezes as escolhas não são tão pensadas quanto podem parecer, muitas fotos chegam a seu resultado final como acidente de percurso (o que pode frustrar e maravilhar). Como diz Boris Kossoy em Fotografia e História, toda fotografia é uma arte plástica que vem não só permeada do senso estético e do gosto particular do fotógrafo, como também possui um conteúdo singular do assunto captado nas coordenadas “TEMPO/ESPAÇO”.

Passeando pela feira de antigüidades (trema é antigüidade também) da Benedito Calixto, encontramos algumas fotografias à venda. Fotografias antigas, em preto e branco, com as bordas delicadamente picotadas. Pessoas em suas salas, televisões com tela redonda, um moço em frente a uma placa escrita “Texas”. Perguntamo-nos por que alguém venderia aquilo.

Cada foto é uma escolha do fotógrafo. Mas não só. Cada foto guardada é uma escolha de substrato para as memórias. Cogitamos muitas ficções que explicassem o porquê do comércio de fotografias antigas, pessoas que se desfazem de jogos de xícaras e de álbuns fotográficos, pessoas cujo passado já não interessa – ou frações daquele passado, pessoas para quem aquelas fotos não dizem nada. Os rostos das fotos já não são identificáveis, não pela qualidade delas, que se mantém com o mesmo verniz por décadas, mas porque o vínculo com aquela pessoa que posava sorridente na década de 1950 já não existe.

O fotógrafo seleciona o momento. As pessoas selecionam as memórias.


Comments

  1. Você conseguiu transformar uma coisa tão bonita como a fotografia em algo mais maravilhoso ainda ao brincar com as palavras. Artes de Bárbara Carneiro.

  2. Avatar de Anônimo
    Anônimo

    Porra, você sintetizou nossa discussão e ficou incrível.

  3. Eu tenho que começar esse comentário dizendo que me esbaldei com \”Passeando pela feira de antigüidades (trema é antigüidade também)…\”, hahaha\”E indo ao assunto do comentário em si, eu concordo plenamente com você. O fotógrafo faz o trabalho da captura. O trabalho do sentimento fica com quem vê. E talvez seja essa a parte mais gostosa da fotografia, não?Beijo!P.S.: gente, adorei seu blog. Muito bem escrito. Passarei mais vezes!P.P.S.: tenho aulas de fotografia e adoro. Um dia, quem sabe, posto as aventuras no meu blog 😀

  4. Nó! Botei fé demais nas coisas que cê disse, Babi!

  5. Eu, que não entendo nada de fotografia (sonho em tirar fotos bonitas um dia, mas sei lá, acho que não tenho o dom. gostaria de ter uma melhor amiga fotógrafa, pronto), adorei o texto, e fui levada por ele até a conclusão. Ótimo!Eu sou uma compradora assídua de antiguidades (sem a trema, porque desde a reforma ortográfica que eu praticamente não uso acento algum), mas não gosto de pensar em quem usou minhas coisas antes de mim.É uma sensação que puxa para o macabro, ainda mais depois de tantas histórias de terror sobre isso. Acho que não consumiria fotos antigas, porque a curiosidade de saber que aquelas pessoas existiram ia ser demais para mim.Enfim, adorei o jeito que você escreve :)Achei lindo o habitante canino da sua casa, e as gravuras surreais são muito inspiradoras (já salvei).Beeijo!

  6. Nossa, primeira vez que venho no seu blog e me deparo logo com um texto como esse. Eu já gostava de fotografias, sempre as achei boas para recordar o nosso passado. É algo que numa única imagem pode contar milhões de histórias e guardar milhões de sentimentos.Adorei como você brincou com as palavras e criou um texto muito gostoso de se ler.Adorei seu blog!Beijos ;**

  7. gostei bastante do que você disse, tenho um pensamento igual… rs amo fotografia e pra mim, não a nada mais expressivo do que fotos e músicas. muitas das vezes, olhando algumas fotografias ligo a alguma música. é o que você disse no final do post: o fotografo seleciona o momento e as pessoas selecionam as memorias. rsbeijos

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