Demorei muito mais tempo do que deveria para começar a ler Cem anos de solidão, impressionada pelos relatos de quem tinha lido e se perdido com a grande quantidade de personagens com nomes parecidos. Esse erro foi reparado nos fins do ano passado, quando resgatei da prateleira meu exemplar e li, quase compulsivamente, o texto de Gabriel García Márquez. Ganhei o livro de uma amiga, no meu aniversário de dezoito anos. Mas existe um lado muito bom em ter esperado esses quase cinco anos para lê-lo.
Para quem não sabe, eu trabalho em um arquivo, cadastrando documentos. Gosto muito da minha função, mas, especialmente, das coisas que aprendo com ela. Quando mexia em documentos relacionados a arte concreta no Brasil, acabei conhecendo o trabalho de Nise da Silveira e em vários momentos as menções a ela apareceram na vida além-arquivo. Nos últimos tempos, aconteceu algo semelhante, com a minha descoberta de Carybé. Quem primeiro me contou sobre ele foi a Vivian, durante monitoria na exposição sobre Jorge Amado no Museu da Língua Portuguesa. Os dois eram muito amigos e havia correspondência de um para o outro no último espaço expositivo do museu. Pouco tempo depois, encontrei documentos sobre ele no meu trabalho para serem catalogados. Carybé – que se chamava Héctor Julio Páride Bernabó – nasceu na Argentina em 1911, mas viveu por muitos anos, até sua morte em 1997, em Salvador.
Qual não foi minha surpresa ao me perguntar, enquanto lia García Márquez, de quem seriam as belíssimas ilustrações no começo de cada capítulo, e descobrir pelo expediente que se tratavam dos traços do artista argentino-soteropolitano. A faceta curiosa do trabalho em arquivo, lidando com documentos pessoais de gente considerada importante, é ao mesmo tempo se sentir próxima desse pessoal e também criar um fetiche em cima do nome e do trabalho deles. Enquanto me familiarizava com as ilustrações de Carybé, passei também a atribuir um valor ainda maior ao livro que possuo, essa 34ª edição em que a capa já vai se descolando do corpo e as páginas apresentam um tom amarelado, denunciando a permanência do livro em algum sebo da cidade.
Vale dizer que, ainda que o fetiche tenha caído sobre as ilustrações, o texto de García Márquez é tão fantástico – em todas as acepções possíveis – quanto os desenhos que o acompanham!
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