a má escrita

Não sou uma pessoa de metas anuais. E, nas passagens de ano de 2021 e 2022, resumi qualquer desejo complexo a um mero “sobreviver”. Que fosse sobreviver para tomar uma esperada vacina, ou sobreviver para estar na derrocada do fascismo. Sobreviver à doença e à tristeza, sobreviver ao que fugia completamente do meu controle.

Daí, eu sobrevivi. A essa altura, basta dizer isso. E, quando vi, eu estava ensaiando metas para um ano novo. Coisas que eu queria voltar a fazer, formas de me reconstruir diante de perdas e isolamentos. Eu gostaria de voltar a ter uma rotina de exercícios, lembrar que eu sou um corpo. Eu queria voltar a me encantar com o mundo, ter um olhar benevolente sobre ele. E eu também desejei escrever um bom texto por mês.

Volto a meus planos agora no terceiro mês do ano. Os exercícios físicos são quase diários, tenho me reaproximado do basquete. Os treinos de futebol saíram da rotina com o retorno do trabalho presencial, porque não consegui encaixar nenhuma quadra ao meu caminho. Mas, de qualquer modo, tenho um corpo e me lembro disso todos os dias.

O encantamento com o mundo é algo que não cabe só a mim. Mas decidi todas as semanas fazer algum tipo de atividade cultural ou artística. Ver uma peça, ir a um show, a alguma exposição de arte. O carnaval na rua por si só. E, como de hábito, estar acordada às 4h da manhã para assistir ao desfile da Mangueira na Sapucaí. O encantamento, pra mim, parece se relacionar com ver o mundo através de outros olhos. Olhos de outras pessoas. Sentir que a gente divide a experiência de estar vivos e não só a de sobreviver.

Apesar disso tudo, me frustrei quando março chegou. O terceiro mês do ano não trouxe nenhum texto bom terminado. Comecei um, tentei retomar minha pesquisa de mestrado e elaborar um artigo sobre ela. Submeter a uma aprovação entre pares. Não era só escrever um bom texto, era também superar o medo de falarem que o texto de bom não tinha nada. Não dei conta de nenhuma das duas coisas. Escrever bem depende de ler e organizar ideias. Ter tempo, basicamente. Não tenho, nem sequer há perspectiva de ter. Escrever bem também demanda acolher o texto, depurá-lo, esquecê-lo, voltar a ele. Quem consegue ter tanto cuidado com esse monte de letrinhas numa tela?

A outra opção diante do fato de que – realisticamente – não me vejo escrevendo um bom texto por mês nesse fim de primeiro trimestre do ano é seguir escrevendo os textos que consigo. Alguns ruins, que pretendo abandonar no meio quando perceber que não há caminho de salvação para eles. E uma porção de medianos, para tirar ideias de dentro da minha cabeça, começar novas conversas, contar despretensiosamente o que me passa. Provavelmente não me orgulharei pessoalmente de nenhum. Espero ter sorte, me enganar nesse processo.

Mas, a princípio, aceito que por mais um ano só me resta seguir escrevendo mal.


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