• dias mais simples

    Em 2018, fui para Buenos Aires participar do IV Encuentro de Jóvenes Investigadores en Teoría e Historia de las Artes do CAIA – Centro Argentino de Investigadores de Arte. Levei minha Olympus Trip 35 e fiz tímidos registros em fotografia analógica. Parecem agora tão mais simples aqueles dias, em que eu ensaiava como falar da minha pesquisa em espanhol, em um momento em que eu chegava aos finalmentes da minha dissertação de mestrado.

    A quem interessar possa, as atas do encontro estão disponíveis para download.

  • despedidas

    minha despedida de São Paulo, fotografada por Jairo

    Existe essa crônica do Galeano em que ele conta a história de Julio Ama na guerra em El Salvador. Julio, que lutava e fotografava, com o fuzil e a câmera por perto, começou a buscar dois amigos, irmãos gêmeos, que costumavam estar sempre por perto. Encontrou-os próximos a um muro: um vivo e outro que jazia sobre os joelhos do irmão. Julio então se aproxima, arruma a câmera a partir da distância e da luz, certo de estar prestes a tomar a foto de sua vida. Julio decide não apertar o botão.

    Guardada toda a proporção, meus últimos dias na Argentina foram resumidos nesse texto. Saí de Santa Fe antes do previsto, por convite das minhas amigas, e foi a melhor escolha. Fomos para Buenos Aires e, nessa minha terceira vez ali, não tirei quase nenhuma foto. Incumbi minha memória de registrar fotograficamente aqueles últimos deleites culinários, aqueles últimos instantes da ampla felicidade que seguiram nesses quatro meses no país. Adquiri uma intimidade com Buenos Aires que fotografar a cidade como turista já não fazia mais sentido; preferi caminhar pelo bairro, conversar com as pessoas, conhecer o que minhas amigas amam ali e contar o que algumas paisagens me fazem lembrar.

    Não vi a casa esvaziando até ser fechada, concentrando meu choro de saudades antecipadas em um único dia. Mentira, chorei um pouquinho antes, sabendo que dentro de um tempo seria minha vez, a de deixar as pessoas lindas que conheci e com quem convivi nesse período de intercâmbio. Ane, nesse momento, me abraçou e disse: “Pensa, você teve vários irmãos aqui” e, claro!, chorei mais um tanto. Eu precisava voltar pro Brasil, mas a vontade era a de manter esse país imaginário onde múltiplas nacionalidades se encontravam em uma estranha – e às vezes inconstante – harmonia. Cheguei aqui e chorei mais um pouco, numa última despedida. E então parei. Parei para olhar e pensar nesse espaço que me recebia de volta.

    Não estranhei São Paulo. Andar pela Paulista, passar pela papelaria do bairro, pegar o metrô foram situações que me poderiam fazer crer que nunca estive dois mil quilômetros distante. Pensei que eu pudesse me atrasar no meu primeiro reencontro na catraca, acostumada que fiquei a sair dez minutos antes de casa para qualquer coisa no interior da Argentina. Não me atrasei. Calculei como de costume o trajeto até o metrô e da baldeação; calculei tão bem que quase desconfiei de nunca ter saído da cidade. Extrañé, porém, algumas coisas de Santa Fe e muitas pessoas que com ali vivi, ainda que faça pouquíssimo tempo da minha partida.

    viver é impreciso

    ♫ Los hermanos – Elis Regina

  • os terraços da memória

    família

    “Memória é vida. Seus portadores são grupos de pessoas vivas e, por isso, a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação. Às vezes fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é sempre incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente; a história é uma representação do passado”

    Pierre Nora. Les Lieux de la Memoir

    Alberto já é um senhor e seu filho é poucos anos mais velho do que eu. Tivemos a oportunidade de passar cerca de 10 dias convivendo com ele, conversando sobre as histórias de Brasil e Argentina. Descobrimos depois que ele apenas cobria as merecidas férias da esposa na recepção do albergue em que nos hospedamos e por isso não conseguimos nos despedir dele no último dia em Buenos Aires. Sempre solícito, às vezes com seu chimarrão na bancada, começava a falar e teve longas conversas especialmente com o Caio. Eu mesma tinha a dificuldade do idioma e costumava chegar bem cansada das minhas voltas pela cidade, o que não me impediu de trocar algumas palavras sobre museus e de acompanhar algumas coisas de que falavam os dois.

    Como o ensino de história da América hispânica nas escolas é mínimo no conteúdo programático das escolas brasileiras – para não generalizar e dizer nulo -, é meio do nosso senso comum imaginar que a história do Brasil é desconhecida dos outros países. Alberto nos mostrou o contrário. Não chegou nem perto de dizer que as pessoas no Brasil andam nuas e numa natureza exuberante, com várias espécies de macacos (visão que Os Simpsons podem ter do país). Contou-nos, com humildade, que o que conhecia era a particularidade do Brasil em seu processo de independência, quando a família real chega no Rio de Janeiro e lá se estabelece. Adentramos o século XIX, com a posição periférica da Argentina no Império espanhol, com Bolívar e San Martín. E fomos indo. A proclamação da independência aqui, a monarquia dos Pedros no meio de tantas outras repúblicas. As abolições da escravatura. Lá, em 1853, mas com ventre livre e fim do tráfico já em 1813. Aqui, em 1888. A Guerra do Paraguai que só a gente chama assim, porque os outros chamam de Guerra da Tríplice Aliança.

    O longo século XIX, então, estava resolvido. O XX não. Comentamos com pesar e brevidade os episódios das ditaduras militares, que, apesar das particularidades, unem Chile, Brasil, Uruguai, Argentina. Em uma frase, a síntese de que são feridas que ainda estão abertas.

    Algumas noites depois, eu e o Caio comíamos baguete com tiramissú no terraço do albergue. Um dos chilenos sentou conosco e começamos a conversar sobre toda a sorte de assuntos. Em determinado momento, o rapaz fez uma colocação sobre o caráter socialmente pedagógico da ditadura de Pinochet, alegando que hoje as coisas no Chile estão em paz – e na Colômbia e na Venezuela não – porque a polícia soube ensinar os pobres que eles tinham que trabalhar e não viver de dinheiro fácil do governo. Disse-nos ainda que a polícia lá é incorruptível e que isso veio muito das punições na época da ditadura. Nós não conseguíamos argumentar, porque a vivência dele era essa. Não conseguimos evitar, porém, a cara feia, o que o fez acrescentar de imediato que era a pessoa mais contra agressão a outras no mundo, mas que a economia chilena ficou uma maravilha graças à ditadura. A nossa posição política podia dizer “Não, um crescimento econômico – parcamente aferido – não justifica uma ditadura”, mas caminhávamos sobre as feridas não cicatrizadas, essa parte do breve século XX ainda está muito viva nas paixões. Conseguíamos falar do caso da ditadura no Brasil, deixando claro que estamos longe de considerar esse período como implementador da incorruptibilidade das nossas instituições e que a maravilha econômica dos anos 70 era um falso fausto, pagamos as parcelas dessa longa fatura (na Argentina isso ainda é mais visível).

    Desde que passamos por isso, tive vontade de escrever, mas não sabia como. Comecei a ler A era dos Impérios (1875-1914) do Eric Hobsbawm semana passada e o primeiro capítulo do livro traz uma discussão bastante pertinente sobre a memória. Porque a gente consegue falar dos extermínio dos índios na Argentina, do seqüestro de Montezuma, das mortes em Canudos de modo pragmático. Mas não conseguimos comentar as últimas eleições, o período militar, o papel do nazismo sem estarmos bastante envolvidos num debate forte, complexo e extremamente dinâmico.

    “Não quero dizer que o passado mais remoto não tenha significado para nós, mas que suas relações são diferentes. Ao lidarmos com períodos remotos, sabemos que os encaramos essencialmente como estranhos e distantes, mais como antropólogos ocidentais empreendendo uma pesquisa sobre os povos montanheses de Papua”

    Eric J. Hobsbawm. A Era dos Impérios (1875-1914).

    [Essa coisa de dizer longo século XIX e breve século XX, eu peguei do Hobsbawm também]

    PS: Aos que lêem os textos pelo Reader, tô avisando que mudei o layout do blog, hehe.

  • project 15 days

    É fato que eu não tenho disciplina para me envolver em um projeto de fotos. Acho muito gostoso acompanhar os dos outros, principalmente esses de 365 dias, em que a pessoa decide fotografar por um ano diariamente. A Natália, a Mel e a Anitah são algumas das pessoas que resolveram levar esse projeto adiante em 2011. Outra pessoa que conheço que fotografa todos os dias há alguns anos é o Fagu (sem comentários pra galeria desse cara super gente fina!). Como eu vejo a fotografia como um dos caminhos para me expressar, mas não o mais importante, nem o mais constante (não que haja um mais importante ou um constante, pra ser sincera), não consigo me obrigar a fotografar todos os dias. Acho que a fotografia tem que ser, antes de tudo, como hobby, uma atividade prazerosa e eu não me sinto bem quando me forço a produzir imagens. Na viagem foi diferente. Eu queria absorver tudo, queria que tudo ficasse muito comigo, e congelar momentos em pixels foi uma das maneiras que consegui para fazer isso. Então, decidi tirar fotos todos os dias, e postei no flickr aquelas de que mais gostei em cada dia. Foi meu projeto 15 dias [de viagem]. Este é, por enquanto, o meu diário fotográfico, dia a dia, com a legenda de onde fui cada dia.

    mira
    Aeroportos

    vuelo
    Microcentro

    refrescância
    Cemitério da Recoleta e Museu Nacional de Belas Artes

    buenos gatos
    Jardim Botânico e Planetário

    republica de la boca
    La Boca e San Telmo

    llove lloro
    (essa foto tirei na terça, mas representa a segunda-feira, porque foi quando fiz aquele desenho, depois de assistir a “O filho da noiva”)

    gira
    Av. Corrientes e me perdi no limite de onde termina meu mapa

    la morada de rosas
    Rosedal, Museu Eduardo Sivorí e Museu José Hernandéz

    ultra realismo
    Puerto Madero e Costanera Sur

    mundano
    Centro Cultural da Recoleta

    onde vivem as cores
    Tigre

    nobody is watching
    Piquenique na Recoleta e Biblioteca Nacional

    behind the scene
    Montevidéu

    buenos aires, mi amor
    Barrio Norte

    the last tango
    Malba

  • yo también



  • as palavras ficam bem

    escrever é organizar
    demais
    as idéias.
    por isso, talvez, eu escreva pouco
    cada vez menos
    e em fragmentos.
    porque há que se dar espaço
    pro que é sensorial
    sensacional
    sentimental.

    As palavras ficam bem escondidas.

  • Museo Nacional de Bellas Artes

    Realizei uma das minhas grandes vontades indo ao Museo Nacional de Bellas Artes da Argentina que fica no bairro da Recoleta na sexta-feira. Separei algumas das obras de que mais gostei para postar aqui. As razões para eu ter gostado delas são várias e inúmeras, mas seria desnecessário listá-las. Espero que cada um encontre seus motivos para gostar (e desgostar também) das minhas escolhas. Achei as imagens dos artistas argentinos em boa resolução aqui. Uma última coisa do museu é como ele é caprichosamente separado em coleções, e as doações dos quadros ficam mais bem identificadas assim, e dão a possibilidade de entendermos, ainda que superficialmente, o gosto pessoal do colecionador, que comprava determinadas peças de arte. (No mesmo dia, assistimos ao filme do Banksy, Exit through the gift shop, que fala e questiona muito dessa arte tradicional)

    Las vecinas, Pedro Figari

    Deliberando, Pedro Figari

    Modelo de Yves Saint Laurent y paisaje, Delia Cancela y Pablo Mesejean

    La familia del sentenciado, Mildred Burton

    El despertar de la criada, Eduardo Sívori

    Danseuse debout, Edgar Degas

    La vuelta del malón, Angel Della Valle
    Catedral de Buenos Aires, Carlos Enrique Pellegrini

    Doña Juana Rodrí­guez de Carranza, Carlos Enrique Pellegrini

    Proa, Xul Solar