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Brincamos que o quarto delas é a Embaixada Chilena. O meu, dividido com outras duas brasileiras, seria uma das Embaixadas Brasileiras da casa. Experimentamos o ineditismo da fronteira entre esses dois países. Eu e elas temos quase a mesma idade e opiniões políticas convergentes. Sexta-feira adentrei a esse território chileno para contar-lhes minha angústia com a
ação policial em São Paulo no dia anterior. Como resposta soube que no mesmo dia a
polícia bateu em estudantes que protestavam em Santiago.
Não há conversas informais ou palestras que alcancem o tema das universidades na América do Sul que não terminem com um suspiro de “E o Chile, hein?”. Já são dois anos de mobilização que tenta reverter a bizarra condição de educação 0% pública e gratuita no país. Essa é uma das heranças medonhas do governo Pinochet (uma das outras podemos arriscar dizer que é uma polícia preparada a bater em manifestante até deixá-lo desacordado).
O
Chile não é o Brasil e as nossas agendas sociais são diferentes em muitos pontos. Mas fiquei me perguntando por que, para além dos dois passos que separam a minha porta da delas, estamos assim tão próximos. Uma das respostas está na época em que vivemos: já não precisamos de modelos para discutir política. Pelo menos, não dos grandes, não dos dois blocos que se opunham em épocas de Guerra Fria. Nós podemos falar que o jeito como se organiza nossa vida pública (seja na universidade, na escola, no ônibus, nas ruas) já não faz mais sentido e buscar métodos para deixar isso claro para outras pessoas.
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Desde o dia 6 de junho, buscava informações sobre o movimento para redução da tarifa de ônibus em São Paulo. Porque essa foi minha motivação para seguir o protesto do
Movimento Passe Livre pelas ruas, em 2011, com a ideia de que
“3 real é surreal”. Naquela época também teve gente apanhando da polícia, teve cerco na Praça da República, teve direito constitucional de livre manifestação desrespeitado. A classe média xingou muito no twitter a interdição da Paulista. A tarifa não baixou.
Nenhum de nós sabe muito bem de onde vem ou para onde vai essa onda de protestos desses últimos tempos, mas é bonito ver que um dia muitos decidiram que a rua é para as pessoas. Que um dia se pôde sair pelas grandes avenidas por suas idéias de maneira livre. E por mais que digam que não são os 20 centavos, eu continuo sustentando essa pauta. São 20 centavos com mais 3 reais. (e quem souber, me responde: com quantos vinte-centavos se compram as bombas de gás lançadas em todos os cantos?)
Há uma coisa muito boa em estar na Argentina nesse momento. Embora haja quem acuse a
inflação– e eu posso concordar que o Brasil é um lugar caro pra se viver; São Paulo ainda mais-, a questão da passagem de ônibus não pode se restringir a essa variante. O prefeito não pode se vangloriar, em blog chapa-branca (velhas práticas em novos meios), que o aumento foi inferior ao da inflação acumulada no período 2011-2013, por um motivo muito empírico da minha vida atual: moro na cidade que tem a tarifa de ônibus mais alta da Argentina. Pago um pouco mais de R$ 1; os estudantes daqui pagam menos do que isso. A inflação, no entanto, é um troço
galopante e um receio frequente (o que a faz mais galopante ainda) no país. Nem por isso tiraram dos ônibus de Buenos Aires as plaquinhas de que o transporte lá é subsidiado pelo governo ou supuseram que o direito dos cidadãos ao transporte público deva ser colocado em xeque. Não chame de inflação o que é falta de vontade política, na mesma pegada de não chame de “marcha contra a corrupção” o que é uma luta política por
soluções práticas para problemas cotidianos.