• juntos e na rua

    Fotografias tiradas em uma câmera de plástico em 2016. Era uma manifestação contrária ao presidente Michel Temer registrada com câmera beirette vsn e filme 35mm.

    A polícia só vale o mal que causa, 2016
    Bandeira, 2016
    Rua da Consolação, 2016
    Mulheres pela democracia, 2016
    Igreja da Consolação, 2016
    Praça Roosevelt, 2016
    Fora Temer, 2016
    Fica Dilma, 2016

    câmera: beirette vsn

    filme: kodak colorplus 200

    revelação: lab:lab

  • velando a alegria do mundo


  • vou me perder, me afogar neste calor

    Eu me perguntei se faz sentido essa frase de que a gente fotografa o que tem medo de perder. Eu me perguntei olhando pras fotos que se acumulam no meu HD e talvez eu fotografe justamente porque sinto que as coisas se transformam no tempo e, de alguma forma, se perdem em si. No fim, todos os momentos fotografados são decisivos, quando revisitados. Essas fotos da viagem à Ilha do Cardoso parecem trazer à memória um tempo distante. Porque muito estava em suspenso nas nossas vidas nessa época e tanto mudou desde lá. E ainda são fotografias necessárias para acalmar o coração como só o mar costuma acalmar, para fazer lembrar de como se dança o fandango e de como andavam os caranguejos à noite, para sentir saudades do melhor feijão da vida e de momentos maravilhosos.

    ♫ John Cage – In a landscape

  • o oposto do silêncio

    Pussy Riot // Ilú Obá de Min
    Blackbird singing in the dead of night // Lady Stardust
  • beach please

  • há fronteiras no jardim da razão

    Se a viagem para a Ilha do Cardoso fosse um livro, estas fotos comporiam o prefácio, mencionando as características principais de cada personagem e criando um verdadeiro tratado sobre a ideia de boas companhias. (Aqui, estrelam Lucas, Stephanie, eu, Rafael e Tamara; os sujeitos ocultos são David e Marina).


  • qualquer coisa que funcione

    O fato de eu não fazer resoluções de ano novo não quer dizer que não pense nas coisas que desejo para o futuro. Eu me lembro de estar com os pés na areia na virada do ano, cercada de gente que eu não conhecia ou que no máximo conhecera havia pouco tempo, olhando os fogos de artifício que até então só tinham povoado televisões ao meu redor. Lembro de ter me perguntado se a vida podia ser sempre assim, uma aventura meio mágica, ou se era um privilégio dos meus vinte-e-poucos; se, no futuro longínquo, me tornaria uma dessas pessoas que do outro lado da ponte se acotovelava entre desconhecidos e entes impostamente queridos e que carregam um certo peso de frustração. A maré começou a subir e os fogos iam parando aos poucos. O samba voltou a ser tocado.

    Eu esperava que 2014 pudesse ser diferente de 2013, que, apesar de ter sido um ano muito bom, foi extremamente caótico. Pensei que seria bacana conseguir desacelerar a vida, arranjar um emprego de que eu gostasse e ter a sorte de um amor tranquilo. Não sei se é apesar de ou justamente por ter cursado História que minha forma de lidar com o tempo é tão confusa. Só me dei conta de que 2014 se aproximava de sua segunda metade pela materialidade da agenda que já abre mais fácil de trás para frente. Foi perceber essa passagem do tempo, daquela noite estrelada depois da última chuva do ano, de tudo o que parecia distante de ser alcançado, que houve a reviravolta.

    E de repente eu me vi no Tanabata Matsuri, o Festival das Estrelas que acontece na Liberdade, sem saber o que escrever no papelzim em que as pessoas escrevem seus pedidos. Foi daí que resultou o mais sincero “whatever works” já proferido.

  • veja só que bom que era

    foliã

    Depois de muito tempo sem levar a câmera pra dar uma volta pela cidade, resolvi fotografar um pouco de Carnaval. Esse feriado em terras paulistanas tem toda uma graça: além do incrível número de carros e pessoas que abandonam a metrópole, há um toque provinciano, um chamar bloco de carnaval de “bloquinho”, de toda a folia ter hora e lugar pra começar e terminar. Fotografei mais uma vez o bloco de rua mais velho da cidade: o Bloco dos Esfarrapados, que circula pelo Bixiga, na região central de São Paulo.

    make a wish

    Mas como o Carnaval é esse momento de se brincar com essência e com aparência, terminei uma ilustração com pegadas surrealistas e decidi aproveitar o sossego do feriadão para fazer um retrato mais realista de mim mesma.

  • o tanque que a vida é

    Não pude evitar reparar que no Dia da Consciência Negra, a maior parte dos que viam o show de Zélia Duncan (com Rappin Hood, Anelis Assumpção e Tulipa Ruiz) eram brancos e que, perto de nós, um senhor negro procurava latas de alumínio no lixo. Eram negros também os vendedores ambulantes que tiveram as mercadorias apreendidas por guardas civis metropolitanos (um deles, negro também). Não pude evitar lembrar de Elza e lamentar que tem gente que não ouve o que ela diz.
    Por isso que quando alguém questiona a importância desse dia, tenho vontade de que o chão se abra sob mim e me engula. Como isso nunca acontece, respiro fundo e desejo que, para além do dia de sol, dos amigos reunidos no parque, da caipirinha grátis e do grupo lindo de maracatu, haja esse incômodo, que desvele o racismo de todo dia. Que todo Vinte de Novembro seja um dia político, mais do que qualquer outra coisa.


    Zélia Duncan – Noite torta

  • a resistência e a memória

    O contexto da conversa, não me lembro, mas Vivian me pediu para ir ao Memorial da Resistência e contar a ela o que achei. Fui ontem e Vivian não está por perto; escrevo aqui para contar pra ela e para mais um punhado de gente. O prédio no bairro da Luz eu já conhecia, já participei de seminário lá, já vi exposição temporária da Estação Pinacoteca. Mas nunca tinha ido ao espaço expositivo que trata do uso da construção pelo regime militar. O qualitativo “sensitiva” não se aplica a mim, mas só de imaginar entrar em lugares de tamanho impacto meu estômago revira um pouco. No entanto, eu entro (afinal, estudo História e enxergar a estupidez humana em sua face mais crua é uma espécie de rotina profissional). Em outras ocasiões, já entrei na cela onde Mandela ficou preso na ilha Robben e conheci um centro de detenção clandestino usado pela última ditadura argentina. Foram essas as primeiras lembranças que mobilizei na minha entrada no antigo DOPS.
    Eu tenho um pouco de mania de pensar comparativamente e, por isso, comparei o tempo todo o Memorial da Resistência com o Museo de la Memoria de Córdoba. Ontem o Memorial da Resistência estava cheio de alunos de escolas; quando fui, o Museo de la Memoria tinha um grande grupo de professores sentados no chão, concluindo o terceiro e, pelo que entendi, último encontro de docentes de escolas básicas ali. Em ambos, havia um ou outro contingente de público espontâneo (eu, entre eles). Não pedi monitoria em nenhum dos dois lugares, mas me fez falta no caso paulistano. Explico: no museu cordobês, as salas de exposição têm um texto introdutório, em geral bastante simples, sobre o material exposto. O que está exposto, porém, não precisa de muita explicação. Podem ser fotos de vítimas da ditadura como na fotografia que mostro acima; ou podem ser objetos pessoais de gente cuja família espera notícias até hoje. Ali, algumas salas me impactaram muito e pelos mais diferentes motivos. A primeira delas é onde há alguns livros com as histórias de vida das vítimas, e não apenas do sofrimento, do encarceramento e, é importante dizer, sem ocultar suas filiações partidárias e suas crenças políticas. Já no caso do Memorial da Resistência, eu sentia falta de alguém me contando histórias, para além da grande linha do tempo que nos apresenta, do discurso muito bem feito do ponto-de-vista historiográfico sobre a reconstituição do espaço e seus múltiplos usos no tempo. Aqui, a trilha sonora que enche o estreito corredor é composto por músicas de protesto que todos conhecemos; em Córdoba, não havia Walsh e sim um introspectivo silêncio. Quando a cela no pátio se enchia de voz, era uma narração feita por um ex-detento.

    O Memorial da Resistência apresenta muitos vazios. É bom ver como o lugar foi, mas não tive muita dimensão de o que aconteceu ali, só pelo meu caminhar. Vi algo parecido com o que os detentos que puderam tomar banho-de-sol viram, mas não vi quem os mandou prender, quem os torturou, matou ou desapareceu. Em Córdoba, essa foi outra seção que muito me impactou. Havia nomes, rostos, descrição de cargo e grau de envolvimento dos agentes de segurança naquilo que convencionaram chamar Proceso de Reorganización Nacional. Aqui, lembramos quem resistiu, quem sobreviveu e quem morreu, mas não é difícil notar que fingimos esquecer que este-ou-aquele esteve envolvido e que caminha impunemente por aí.

    Nos dois locais, as paredes diziam coisas, nomes, datas, siglas. Em São Paulo, um grupo refez algumas das marcas do período. Em Córdoba, possivelmente um visitante como eu, pouco tempo antes de minha estada ali, escreveu: “Videla puto”; no dia de minha visita fazia 12 dias que tinha morrido o ex-ditador, preso, condenado a prisão perpétua por crime contra a humanidade.

    Em suma, eu senti falta de poesia feita pelos anônimos, e falta de verdades que ainda não alcançamos. Não vi rostos, e apenas pude me colocar no lugar (é algo importante, mas a História depende um tanto de uma materialidade além da construção arquitetônica ou da mobilização da minha subjetividade). O discurso histórico está bem feito. A academia têm discutido o assunto já faz um bom tempo. O que falta no Memorial da Resistência na verdade não falta nele; falta na nossa forma de lidar com o tema.

    (um adendo: semana passada em um evento sobre patrimônio, pude conhecer parte do trabalho da organização argentina Memoria Abierta que com criações virtuais e pesquisa de campo reais reconstrói lugares, sem precisar erguer fisicamente monumentos. Com depoimentos e documentação arquivística, criaram um mapa de lugares de detenção provisória e centros clandestinos de detenção e a partir desse trabalho viabilizaram a busca por verdade e justiça a partir da memória e da história dos que viveram essas experiências.)