Fotografias tiradas em uma câmera de plástico em 2016. Era uma manifestação contrária ao presidente Michel Temer registrada com câmera beirette vsn e filme 35mm.
câmera: beirette vsn
filme: kodak colorplus 200
Fotografias tiradas em uma câmera de plástico em 2016. Era uma manifestação contrária ao presidente Michel Temer registrada com câmera beirette vsn e filme 35mm.
câmera: beirette vsn
filme: kodak colorplus 200
O fato de eu não fazer resoluções de ano novo não quer dizer que não pense nas coisas que desejo para o futuro. Eu me lembro de estar com os pés na areia na virada do ano, cercada de gente que eu não conhecia ou que no máximo conhecera havia pouco tempo, olhando os fogos de artifício que até então só tinham povoado televisões ao meu redor. Lembro de ter me perguntado se a vida podia ser sempre assim, uma aventura meio mágica, ou se era um privilégio dos meus vinte-e-poucos; se, no futuro longínquo, me tornaria uma dessas pessoas que do outro lado da ponte se acotovelava entre desconhecidos e entes impostamente queridos e que carregam um certo peso de frustração. A maré começou a subir e os fogos iam parando aos poucos. O samba voltou a ser tocado.
Eu esperava que 2014 pudesse ser diferente de 2013, que, apesar de ter sido um ano muito bom, foi extremamente caótico. Pensei que seria bacana conseguir desacelerar a vida, arranjar um emprego de que eu gostasse e ter a sorte de um amor tranquilo. Não sei se é apesar de ou justamente por ter cursado História que minha forma de lidar com o tempo é tão confusa. Só me dei conta de que 2014 se aproximava de sua segunda metade pela materialidade da agenda que já abre mais fácil de trás para frente. Foi perceber essa passagem do tempo, daquela noite estrelada depois da última chuva do ano, de tudo o que parecia distante de ser alcançado, que houve a reviravolta.
E de repente eu me vi no Tanabata Matsuri, o Festival das Estrelas que acontece na Liberdade, sem saber o que escrever no papelzim em que as pessoas escrevem seus pedidos. Foi daí que resultou o mais sincero “whatever works” já proferido.
Depois de muito tempo sem levar a câmera pra dar uma volta pela cidade, resolvi fotografar um pouco de Carnaval. Esse feriado em terras paulistanas tem toda uma graça: além do incrível número de carros e pessoas que abandonam a metrópole, há um toque provinciano, um chamar bloco de carnaval de “bloquinho”, de toda a folia ter hora e lugar pra começar e terminar. Fotografei mais uma vez o bloco de rua mais velho da cidade: o Bloco dos Esfarrapados, que circula pelo Bixiga, na região central de São Paulo.
Mas como o Carnaval é esse momento de se brincar com essência e com aparência, terminei uma ilustração com pegadas surrealistas e decidi aproveitar o sossego do feriadão para fazer um retrato mais realista de mim mesma.
O Memorial da Resistência apresenta muitos vazios. É bom ver como o lugar foi, mas não tive muita dimensão de o que aconteceu ali, só pelo meu caminhar. Vi algo parecido com o que os detentos que puderam tomar banho-de-sol viram, mas não vi quem os mandou prender, quem os torturou, matou ou desapareceu. Em Córdoba, essa foi outra seção que muito me impactou. Havia nomes, rostos, descrição de cargo e grau de envolvimento dos agentes de segurança naquilo que convencionaram chamar Proceso de Reorganización Nacional. Aqui, lembramos quem resistiu, quem sobreviveu e quem morreu, mas não é difícil notar que fingimos esquecer que este-ou-aquele esteve envolvido e que caminha impunemente por aí.
Nos dois locais, as paredes diziam coisas, nomes, datas, siglas. Em São Paulo, um grupo refez algumas das marcas do período. Em Córdoba, possivelmente um visitante como eu, pouco tempo antes de minha estada ali, escreveu: “Videla puto”; no dia de minha visita fazia 12 dias que tinha morrido o ex-ditador, preso, condenado a prisão perpétua por crime contra a humanidade.
Em suma, eu senti falta de poesia feita pelos anônimos, e falta de verdades que ainda não alcançamos. Não vi rostos, e apenas pude me colocar no lugar (é algo importante, mas a História depende um tanto de uma materialidade além da construção arquitetônica ou da mobilização da minha subjetividade). O discurso histórico está bem feito. A academia têm discutido o assunto já faz um bom tempo. O que falta no Memorial da Resistência na verdade não falta nele; falta na nossa forma de lidar com o tema.