Essas fotos, de 2020, um ano que eu gostaria de esquecer, são pedaços de coisas que eu gostaria de lembrar. Tirei algumas delas dentro do meu quarto. As outras, no interior de Minas Gerais. As principais paisagens daqueles dias.
Essas fotos, de 2020, um ano que eu gostaria de esquecer, são pedaços de coisas que eu gostaria de lembrar. Tirei algumas delas dentro do meu quarto. As outras, no interior de Minas Gerais. As principais paisagens daqueles dias.
Foram duas câmeras analógicas, 20 dias e cinco cidades. Saí de São Paulo para o Rio de Janeiro, de lá, com a Brunna, pra Cordisburgo, depois Diamantina, de volta a Belo Horizonte e uns dias em Brasília. Na mala, além das roupas e das câmeras, um exemplar que comprei de um homem na rua de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. A ida para Cordisburgo e Diamantina tinha a ver com o trajeto de Riobaldo no livro. A vontade era chegar até Januária, mas o tempo curto não ajudava. Terminei a obra em uma folga nos últimos dias do ano, tendo que parar inúmeras vezes para pensar “eita, que história bonita”. Eu já sabia o final e ainda assim consegui me emocionar.
Aqui estão as fotos de Cordisburgo, Diamantina e Brasília tiradas com a Olympus Trip 35.
Eu tinha 13 anos de idade quando minha mãe decidiu que passaríamos os dias depois do Ano Novo em Matutu, um vilarejo na cidade mineira de Aiuruoca. Chegamos no carro 1.0 à pousada, depois de um grande esforço para subir uma dessas serras de Minas Gerais, em que o carro derrapa pela chuva de verão que chegou pouco antes que a gente. O lugar não tinha televisão e eu passei a maior parte do tempo lendo O mundo de Sofia enquanto minha mãe avançava em sua tapeçaria. Em algum momento, chegaram três mulheres, já na casa dos trinta anos, em um carro 4×4 para se hospedar no quarto ao lado e nos chamaram para um passeio pelas cachoeiras no dia seguinte. Descobrimos que havia festa de Reis na casa de um dos moradores do vilarejo e alguns dias depois estávamos nós todas subindo mais uma daquelas serras, dessa vez a pé. A festa era feliz e colorida. Lembro que não conseguia entender se as figuras que brincavam com máscaras pretas me assustavam ou me encantavam, naquele fim de infância em que parece já não fazer mais sentido temer figuras fantásticas encarnadas em corpos humanos. Do alto do morro, víamos a imensidão verde e pessoas comentavam a chegada de uma hidrelétrica por lá. Eu tentava imaginar a água tomando tudo abaixo.
PS: O título original do filme é Wild, o que traduziríamos automaticamente como Selvagem em português. O problema é que a idéia de Wilderness em inglês e principalmente nos Estados Unidos é algo muito particular da identidade coletiva (basta pensar em todos os filmes e livros como Na natureza selvagem, Walden, On the road em que a busca por nada em específico com uma ida à natureza é o mote central). Por isso, a palavra “livre” pode dar uma errônea dimensão de valor moral da personagem, em comparação com a resto dos seres humanos que não largaram tudo e foram viajar (o que pode ser um conselho bem tosco; aqui traduzido pro português); a graça é então não entender a protagonista como “mais” livre perante os “menos” livres e sim como alguém que de algum modo se liberta em um processo pessoal que, nesse caso, era uma viagem por um parque nacional.
Sair da cidade às vezes não é possível. Sair é o passo mais difícil. É carregar consigo um mundo e transportá-lo para outro lugar, nem sempre receptivo. Sair é ir além do conhecido, já nos ensinaram os nômades ancestrais. Pra sair não basta coragem; é preciso algo mais: ímpeto.
A cidade nasceu da soma das vertigens, das veias auríferas abertas nas encostas das serras, das mãos de homens dispostos a tanto. Os homens criam raízes, nem sempre tão profundas quanto gostariam. Os homens dependem de muitas coisas, e a seiva se interrompe. A seca está em tudo. Tá na falta da chuva, ou no fim do ouro, ou na falta de emprego. Rareia; no chão de areia, nas vilas ricas, nas selvas de pedra.
Os que não podem partir esperam notícias dos que foram. Alguns esperam por toda a vida. Outros, para além dela. E, presos em seus túmulos, só lhes basta o conforto das flores, de fibra sintética, de plástico mal arrematado. Só lhes resta a garantia de que a cidade quererá ser sempre a mesma. Fadada à eternidade. É preciso ter cantarias firmes, duras para suportar um peso desses sobre si.
Dessa vez o intuito da narrativa que tivemos que escrever era fazer parte de um diário de bordo sobre a nossa viagem para Ouro Preto. O pessoal do grupo mandou seus textos e compusemos um cadernim, em A5, para entregar para o professor. Foi um mini-sufoco romper com a forma tradicional A4 dos trabalhos acadêmicos na hora de imprimir, porque a impressora da faculdade tinha algumas configurações nesse formato. Não fosse o monitor persistente e que ficou cortando as folhas na metade comigo, eu teria que voltar ao tradicional. Deixando registrada aqui minha gratidão, já dita ao vivo (até porque o homem nem sabe que eu tenho um blog).
Ouro Preto
Ouro Preto é a cidade que não mudou e nisso reside seu incomparável encanto.
Mariana
À antiga Vila do Carmo se pode ir de trem ou de automóvel. Indo de trem, entra-se na cidade atravessando o ribeirão do Carmo.
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Em sua História Antiga das Minas Gerais, narra Diogo de Vasconcelos a tradição de Chico Rei, recolhida pela primeira vez por Afonso Arinos (Atalaia Bandeirante), à qual está ligada a ereção desta igreja. Francisco, rei africano, foi aprisionado e vendido para escravo com toda a sua tribo. (…) Homem inteligente e enérgico, Chico Rei trabalhou e forrou o filho; em seguida, os dois trabalharam para forrar um patrício; e assim sucessivamente se forrou toda a tribo, que passou a forra outros vizinhos da mesma nação. Formaram entre si como que Estado: Francisco era rei; sua nova mulher, a rainha; seu filho, o príncipe; a nora, a princesa. A coletividade possuía a mina riquíssima da Encardideira. Tomaram como padroeira a Santa Ifigênia, a cuja milagrosa imagem prestavam culto no Alto da Cruz, na capela levantada sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário.
Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (Matriz)
Diogo de Vasconcelos sugere a autoria de Pedro Gomes Chves, autor do projeto de Nossa Senhora do Pilar, pelas analogias que nota entre as duas igrejas, mas o Vereador Joaquim José da Silva, em 1790, afirmava que o risco foi do próprio construtor, Manuel Francisco Lisboa.
(…)
Nesta igreja sepultaram-se o Aleijadinho e Marília, mas os despojos desta estão hoje no Museu da Inconfidência.
São Francisco de Assis
A Ordem Terceira de S. Francisco de Assis, a primeira Ordem Terceira criada em Ouro Preto (remonta a 1745), adquiriu os terrenos onde se levantou o templo, em 1765, e já no ano seguinte contratava a construção com o mestre Domingos Moreira de Oliveira. O projeto é de Antônio Francisco Lisboa; em 24 de agosto de 1794 lavrou-se o termo de entrega e aceitação das obras, sendo louvados por parte da Ordem Antônio Francisco Lisboa e José Pereira Arouca.
Antigo Paço Municipal (atual Museu da Inconfidência)
A inauguração aconteceu em 11 de agosto de 1944, data do segundo centenário do nascimento de Tomás Antônio Gonzaga, sendo então lembrado que o edifício, antiga cadeia construída com o suor e o sangue de negros fugidos e de sentenciados, inspira ao profeta inconfidente algumas das apóstrofes mais belas e mais enérgicas contra o despotismo colonial.
As duas grandes sombras de Ouro Preto, aquelas em que pensamos invencivelmente a cada volta de rua são o Tiradentes e o Aleijadinho.
[Todo texto desse post foi escrito por Manuel Bandeira em seu “Guia de Ouro Preto”, Edições de Ouro. Não concordo com tudo o que ele diz, sobretudo com relação à Inconfidência Mineira. Mas o texto é belíssimo e funcionou muito bem para nos situar por ali]
Passei algumas horas em Belo Horizonte (Belorizonte, como diria Guimarães Rosa), e fui para a Pampulha. Símbolo da arquitetura modernista, com quatro construções projetadas por Oscar Niemeyer (a Casa de Baile, o Cassino, o Iate Clube e a Igreja de São Francisco), a lagoa talvez seja o grande atrativo turístico da cidade. Resolvi deixar de lado minha birra com o Niemeyer (para entendê-la, veja o Memorial da América Latina, em São Paulo), e dar um novo olhar sobre essa arquitetura. Com o título “Moderno e natural”, quero destacar a interferência – não calculada – da natureza, imprevisível, com o concreto armado, sempre planejado.