Eu tenho um pouco de mania de pensar comparativamente e, por isso, comparei o tempo todo o
Memorial da Resistência com o
Museo de la Memoria de Córdoba. Ontem o Memorial da Resistência estava cheio de alunos de escolas; quando fui, o Museo de la Memoria tinha um grande grupo de professores sentados no chão, concluindo o terceiro e, pelo que entendi, último encontro de docentes de escolas básicas ali. Em ambos, havia um ou outro contingente de público espontâneo (eu, entre eles). Não pedi monitoria em nenhum dos dois lugares, mas me fez falta no caso paulistano. Explico: no museu cordobês, as salas de exposição têm um texto introdutório, em geral bastante simples, sobre o material exposto. O que está exposto, porém, não precisa de muita explicação. Podem ser fotos de vítimas da ditadura como na fotografia que mostro acima; ou podem ser objetos pessoais de gente cuja família espera notícias até hoje. Ali, algumas salas me impactaram muito e pelos mais diferentes motivos. A primeira delas é onde há alguns livros com as histórias de vida das vítimas, e não apenas do sofrimento, do encarceramento e, é importante dizer, sem ocultar suas filiações partidárias e suas crenças políticas. Já no caso do Memorial da Resistência, eu sentia falta de alguém me contando histórias, para além da grande linha do tempo que nos apresenta, do discurso muito bem feito do ponto-de-vista historiográfico sobre a reconstituição do espaço e seus múltiplos usos no tempo. Aqui, a trilha sonora que enche o estreito corredor é composto por músicas de protesto que todos conhecemos; em Córdoba, não havia
Walsh e sim um introspectivo silêncio. Quando a cela no pátio se enchia de voz, era uma narração feita por um ex-detento.
O Memorial da Resistência apresenta muitos vazios. É bom ver como o lugar foi, mas não tive muita dimensão de o que aconteceu ali, só pelo meu caminhar. Vi algo parecido com o que os detentos que puderam tomar banho-de-sol viram, mas não vi quem os mandou prender, quem os torturou, matou ou desapareceu. Em Córdoba, essa foi outra seção que muito me impactou. Havia nomes, rostos, descrição de cargo e grau de envolvimento dos agentes de segurança naquilo que convencionaram chamar Proceso de Reorganización Nacional. Aqui, lembramos quem resistiu, quem sobreviveu e quem morreu, mas não é difícil notar que fingimos esquecer que este-ou-aquele esteve envolvido e que caminha impunemente por aí.
Nos dois locais, as paredes diziam coisas, nomes, datas, siglas. Em São Paulo, um grupo refez algumas das marcas do período. Em Córdoba, possivelmente um visitante como eu, pouco tempo antes de minha estada ali, escreveu: “Videla puto”; no dia de minha visita fazia 12 dias que tinha morrido o ex-ditador, preso, condenado a prisão perpétua por crime contra a humanidade.
Em suma, eu senti falta de poesia feita pelos anônimos, e falta de verdades que ainda não alcançamos. Não vi rostos, e apenas pude me colocar no lugar (é algo importante, mas a História depende um tanto de uma materialidade além da construção arquitetônica ou da mobilização da minha subjetividade). O discurso histórico está bem feito. A academia têm discutido o assunto já faz um bom tempo. O que falta no Memorial da Resistência na verdade não falta nele; falta na nossa forma de lidar com o tema.