sobre windsors e carneiros

Esse texto é sobre The Crown

Esse é provavelmente o primeiro texto por demanda escrito nesta newsletter. O que não quer dizer exatamente muita coisa; só que algumas amigas tinham comentado que queriam que eu escrevesse sobre The Crown em algum momento. Demorei um bocado porque Please Like Me me acertou em cheio. E o motivo para minhas amigas acharem que eu tinha algo para falar sobre The Crown é similar àquele que me levou a escrever sobre Poirot, de Agatha Christie: a formação em História.

A verdade é que antes de ver a série de muitas coisas ali retratadas eu não fazia a menor ideia, embora costume sentir um estranho prazer em acompanhar as aventuras da rainha da Inglaterra (especialmente depois que James Bond a buscou no Palácio de Buckingham para a abertura dos Jogos Olímpicos de Londres). Até comentei com a minha avó em um almoço que fizeram uma série sobre a rainha e ela me perguntou: “E como tá a Margaret?”. Fingi normalidade com o fato de minha avó tratar com tamanha proximidade a irmã da rainha, e dias depois telefonei para contar que ela já tinha morrido, coisa que eu não sabia quando minha avó me perguntou. Minha avó é quinze anos mais nova que Elizabeth e imagino que por isso tenha meio que sabido de muitos dos eventos narrados na série, como minha mãe provavelmente sabia de um tudo que acontecia com Lady Di e eu recebo de tempos em tempos boatos de nova gravidez de Kate Middleton.

Comecei a ver The Crown com aquela expectativa que todas as séries prometem nos entregar: personagens com quem podemos nos relacionar diretamente e falar “isso é muito eu!”. Nessa missão, a série falhou. Não dá para ser muito eu uma coisa que é muito a rainha da Inglaterra. Minha esperança é que eles focassem nas idas de Lilibeth ao campo, onde usa uma galochas para pisar na lama e fica longe da família enquanto está acompanhada de cães de patas curtas. Ou naquela história de que a rainha deu carona de jipe para um membro da família real saudita (uma fofoca que ronda as famílias reais, porque, afinal de contas, mulheres são proibidas de guiar na Arábia Saudita). O problema é que a série é o contrário disso. É toda formal, suntuosa. Faz questão de mostrar por que é a produção mais cara do serviço de streaming. Retrata, de modo geral, Elizabeth resolvendo questões de Constituição, tentando ser a mais monarca de todas, e ainda aliando a vontade de ser boa mãe e esposa com os compromissos de Estado.

Mas se tem uma coisa que eu queria contar para minhas amigas que queriam meu veredicto sobre o que é historicamente válido ou não na série, é que não se trata ali de História. The Crown é um romance de formação, e romances de formação em geral estão aqui para nos ensinar algo. Nesse gênero literário, acompanhamos a juventude do protagonista, em que mudanças morais e psicológicas levam ao crescimento. Os produtores da série dificilmente querem nos convencer de que a Monarquia Parlamentarista é melhor ou pior do que outro regime de governo. As colônias são um tema espinhoso da série mas, ao mesmo tempo, são uma temática interessante para o roteiro, porque é a grande perda dos britânicos na segunda metade do século XX. Também não importa que na vida real Margaret desapaixonou antes que a irmã pensasse em proibir seu casamento. O que roteiristas, diretores, produtores precisam garantir pra gente é que Elizabeth vai passar por maus bocados para se tornar uma líder magnânima. Todos os elementos para uma grande narrativa, afinal, estão ali: um conselheiro (o primeiro-ministro Churchill em seus últimos anos de vida), um marido rebelde vindo de uma família de adversários políticos, uma rainha mais velha capaz de nutrir rancor por décadas.

Provavelmente é por isso que The Crown fala pouco sobre minha experiência de mundo. Porque não tô muito acostumada a melhorar com o tempo. Mas capaz que a própria rainha Elizabeth não tenha, assim, se aprimorado tanto com o passar dos anos. Afinal, fofocas dão conta de que Lilibeth acha que muitas abordagens de The Crown são exageradas (o que não a impede de se reunir com o filho caçula para ver sua história na televisão). Agora é esperar pela newsletter que a própria rainha lançará para contar a seus leitores sobre “como não foi bem assim aquela briga com o príncipe-consorte, mas foi muito bom tocar nesse assunto, já que me lembrei de todas as vezes em que Charles parece não ter entendido muito bem seu papel nessa família”.

Infelizmente The Crown não é uma série sobre primogênitas e seus cães de pernas curtas

Esse texto saiu primeiro na newsletter No episódio anterior

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