para lembrar depois

Tem épocas que sinto falta de tudo. Uma saudade tremenda e uma dor pelo que passou. Essa tem sido uma dessas épocas e ainda não sei por quê. Às vezes acordo e sinto falta do cheiro de outra cidade, sinto saudades de pessoas que viveram pouco comigo, sinto um vazio grande e inexplicável e vou caminhando, prestando atenção dobrada às coisas, que é pra ter do quê sentir saudades no futuro, que é também pra não cair no buraco do grande vazio. Eu sinto saudades dos sorrisos daqueles que me diziam que não se pode voltar para lugares onde fui muito feliz e queria escrever uma carta perguntando então para onde se pode voltar. Ou nunca se volta? Porque dessa vez voltei. Eu acordei às cinco da manhã, peguei a mochila e fui para o aeroporto. No escuro, peguei a rodovia e em um horário que dificilmente estou acordada já estava em Florianópolis. Foram quatro dias ali e eu queria saber do que quererei me lembrar depois, para já deixar anotado aqui.
Quero me lembrar 1) de como me fascinam as estruturas geomorfológicas e de como é raro ver o sol se por no mar; 2) da sorte que tenho de que pessoas que não me conhecem abram suas casas para eu dormir, banhar, comer; 3) de que essas mesmas pessoas tem amigos e que me enxergo neles, na juventude deles, na perplexidade, na curiosidade, nas coreografias que fazem com os braços quando dançam; 4) de como eu me orgulho das amigas que fiz (pela internet, principalmente); 5) das explicações sobre 5a) reisados, congados e a presença negra na Ilha de Santa Catarina, 5b) corpos, trajetórias, atividades políticas, 5c) o poeta Cruz e Souza, dadas por um homem que estava logo ali na praça XV; 6) de como eu queria muito ir pro carnaval de Pernambuco; 7) do livro que eu estava lendo na época (“Seymour, an Introduction”, do Salinger); 8) até do que eu deveria querer esquecer como 8a) as vezes em que fui parar no terminal de ônibus errado, 8b) essa minha mania de deixar escapar comentários ácidos na presença de pessoas com autoridade, 8c) a insegurança que sinto ao falar de coisas que sei, 8d) a imagem de gráficos de probabilidade enquanto o avião entrava em zona de turbulência; 9) da gata Tieta; 10) da majestade o gatinho que correu em nossa direção.

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