Sempre cheguei cedo. Me antecipei em tudo que pude. Preparei-me ao que deu e, quando não deu, tentei inventar novos caminhos. Até que cheguei a um momento em que não havia o que inventar e nada, absolutamente nada, estava em minhas mãos. Eu sempre cheguei cedo, porque eu pensava em cada detalhe. Sei o comprimento de minhas pernas, conheço meus passos curtos. Minha natureza lenta. E, sabendo tudo isso, eu era capaz de projetar tempos de deslocamento e quase nunca errar. Um ônibus pode tardar 15 minutos, um trem do metrô, 3. Acabou que eu sempre cheguei cedo. E agora eu sinto que cheguei muito antes a um lugar que teria me esperado anos adiante.
Talvez seja meio ridículo escrever sobre a pandemia a essa altura. Em meu sangue correm anticorpos de doses combinadas de vacina. E eles deveriam encerrar em mim os danos do evento mundial da difusão sem controle de um vírus afeito a vias respiratórias. Mas eu carrego em mim o tempo – que não sei decidir se ganho ou perdido – de todo esse período. Parecia que eu ia me acostumando aos poucos ao retorno à normalidade. Só que também parece que não consigo mais me acostumar a tudo isso. Sinto-me cheia de feridas porcamente costuradas, prestes a inflamar, infeccionar, apodrecer até. Problemas que se acumularam por uma vida e dramas recentes dos quais eu jamais quis participar. Me sinto exposta, como naqueles sonhos em que nos descobríamos estar na rua sem máscara.
Eu não consigo decidir se me ganhei ou me perdi. Eu não consigo entender se fui a pior ou a melhor amiga. É difícil ter certeza se estraguei tudo o que era bonito ao meu redor ou se as coisas não eram tão bonitas assim. Talvez eu tenha que relembrar o que havia. Não sei se estou mais madura ou mais cansada, nem se há alguma distinção profunda entre essas duas características. Mais uma vez devo ter chegado cedo demais e agora não sei se espero os outros chegarem ou se cheguei a um lugar em que não deveria estar.
3 respostas para “muito cedo foi tarde demais em minha vida”
Margerite Duras da ZN!
Bom, já que fui leitora beta, por aqui vou revelar apenas uma outra coisa: quando comecei a leitura desse texto logo pensei: “por isso ela nunca me perdoou pelo atraso de duas horas”
Pois eu sempre me atraso. Tem nisso certo egoísmo, mas não faço mal. Talvez queira crer nisso. Também acho chato esperar, mas é que tem sempre algo no meio… o caminho. Estou ainda no caminho e já cansado. Já não digo “estou chegando”. Tenho preferido usar “se eu for, eu vou”.
E Babi, quando vem?
eu sempre fui mais dos atrasos, mas me identifiquei muito com o que você falou sobre a pandemia. amei conhecer o seu blog, e espero continuar acompanhando mais textos seus por aqui <3