Está difícil ser sua professora

Não está sendo fácil ser sua professora. É o que a gente ouve por aí, que não está mesmo sendo fácil. Você que convive com ela deve saber. Ou será que ela disfarça? Às vezes pode ser isso, que ela disfarce porque sabe que não tá muito fácil ser aluno e não acha certo entrar na sala com problemas que não foram criados por vocês. Além disso, inventou-se em algum momento que adultos são essas pessoas que saberão como resolver seus conflitos e que não demonstrarão fraquezas. Muitos adultos vivem assim e por isso demora tanto (às vezes o tempo de nos tornarmos adultos) para entendermos que as dúvidas não diminuem com o tempo.

A sua professora acorda cedo. Algumas delas. Outras acordam mais tarde do que você mas correm para a escola porque nesses meses tem que repor as aulas perdidas durante a última greve. A sua professora não tem certeza se você sabe que ela estava em greve por vários motivos e que as reivindicações não foram aceitas. Aquele dia foi bem complicado, porque ela teve que voltar para casa frustrada, depois de três meses longe da sala de aula. Pior do que isso: ela teve que ouvir tantas e tantas vezes que a greve era coisa de professor vagabundo. Ela ouviu isso de gente com quem convive, mas também de desconhecidos. Na televisão falaram a mesma coisa.

Uma professora tem sorte e mora perto do serviço, mas a outra demora trinta minutos dentro do ônibus até chegar à escola onde dá aula como eventual. Isso quer dizer que ela não tem turmas e entra em salas de aula do Ensino Médio quando não tem professor regular. A primeira professora, porém, abriu mão das turmas do Ensino Médio “porque é uma insanidade querer passar qualquer conteúdo em apenas duas aulas, uma vez por semana, posto que são sempre dobradinhas”.

A sala de aula, não sei se você já reparou, é um lugar meio esquisito. A novidade é que não é esquisito só para você. A sua professora, antes de entrar ali, respira fundo porque tem uma galera esperando ela chegar. Uma galera que podia ser menos numerosa, sua professora pensa. Porque se vocês fossem menos, ela poderia aprender o nome de todo mundo mais rápido, e ela poderia saber quem tá precisando de mais ajuda e até quem pode ajudar o colega. Se fosse menos gente dentro da mesma sala, ela poderia sair de lá pensando ser algo mais do que alguém que tá ali só cuidando de vocês. Talvez sua professora gritasse menos e passasse trabalhos mais legais se não fosse tudo tão caótico pra ela também. Só que ainda tem as goteiras, a falta de cortina, o calorão dentro da sala de aula. Sabia que sua professora também não tá gostando dessa onda de calor repentina?

Sua professora pensou numa atividade muito daora para a aula que vem. Mas com o corte de verbas, ela não consegue imprimir na escola. Ela, que já tem um salário bem mais-ou-menos, fica na dúvida se gasta do próprio dinheiro ou se espera a escola ter condições de fornecer o que é básico para o ensino. A real é que ela gosta de vocês e ela queria criar atividades legais para todas as aulas. Porém, trabalhando onze horas por dia e com pouco apoio de outras pessoas, muitas vezes sua professora desanima e pensa que está falhando na profissão.

Sério, ela fica bastante angustiada quando pensa que não consegue ser maravilhosa como gostaria de ser.

A sua professora talvez nunca tenha te contado isso, mas ela me disse em entrevista exclusiva que se orgulha um bocado de ver vocês questionando a gestão da escola, chamando de absurdo o que realmente é absurdo (mas que gerações de funcionários e professores não deram a menor bola). Ela diz que vocês estão virando sujeitos políticos quando enfrentam os problemas desse espaço coletivo que é a escola e isso – avise seus amigos – dá um ânimo bom, mesmo que a luta seja dureza.

Sua professora provavelmente era ótima aluna e talvez sua colega que é ótima aluna um dia também tenha vontade de ser professora. Mas ter sido uma ótima aluna fez sua professora demorar para perceber que o que ela aprendeu estudando nem sempre dá conta de o que é a sua sala de aula. Então, ela, que sabe um bocado de coisas, tá descobrindo todos os dias que é na convivência com vocês que ela vai entender melhor como ser uma boa professora. A sua professora sofre com os problemas na casa dela, mas, quando está em casa, ela se vê pensando nos problemas que sabe que os alunos têm nos seus lares. Eu imagino que a sua professora às vezes fecha os olhos e pensa, como se fosse criança de novo: “se eu desejar bem forte, será que o mundo muda e as coisas ficam mais fáceis?” Mas não ficam, e ela vai para a escola no dia seguinte enfrentar uma realidade complicada.

Porque os adultos podem parecer que se entendem e se dão bem, mas nem sempre a sala dos professores acolhe a sua professora com um ambiente agradável. Às vezes, ela briga com colegas que são hostis em reuniões, que não têm vergonha de suas opiniões machistas, racistas, homofóbicas. A sua professora não se conforma e ela não consegue levar esse tipo de coisa “na boa”. A sua professora não se conforma, e por isso não está sendo fácil ser a sua professora.

(Eu preciso agradecer às professoras de vocês que toparam me ajudar com esse texto: Juzá Mendes e Janete Leão)

Esse texto foi publicado na Revista Capitolina.

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