Esse texto é sobre Irmão do Jorel
Eu devia ter uns 6 anos de idade, não mais do que isso, quando pedi pro meu pai os bonequinhos dos Power Rangers. Ele me deu cinco, um de cada cor, daqueles que você apertava o botão do cinto e o peito do boneco se abria e a cabeça com capacete era trocada por uma cabeça sem capacete e vice-versa. A pintura do rosto dos bonecos era bem qualquer coisa, e em alguma parte deles devia anunciar que foram feitos na China. Não lembro que tipo de interação eles tinham com meus outros bonecos. Mas, apesar de não serem um produto Shostners&Shostners, meus bonecos Power Rangers eram o mais perto que cheguei de ter meus próprios Microwave Warriors.
É por isso que o episódio “Embarque nessa onda” (S01E15) do desenho Irmão do Jorel tocou meu coração como poucas séries tinham feito antes. Além dos bonequinhos do camelô, eu tinha em comum com o jovem Irmão do Jorel o fato de não conseguir acompanhar um dos desenhos mais famosos da minha geração (Cavaleiros do Zodíaco) e ficava de fora dos altos papos que tinham as crianças do jardim de infância (que se chamava Paçoquinha, e não Pônei Encantado como no desenho). A percepção seguinte que tocou meu coração foi a de que Irmão do Jorel era o desenho que faltava para narrar nossas crônicas do subdesenvolvimento. E isso é fantástico.
O pai do Jorel, do Nico e do Irmão do Jorel (que é irmão do Nico também) fazia arte combativa de vanguarda na juventude, vestido de algo que entenderíamos como Secos & Molhados dos anos 70. Seu parceiro de grupo conseguiu ficar com os direitos da banda e décadas depois ainda capitaliza em cima disso; Edson ficou com o resto (sua moral revolucionária, seu bom coração, seus conselhos preciosos para os filhos). Danuza, a mãe do Jorel e Cia., se veste com roupas de academia, figurino de 10 entre 10 mães minhas nos anos 1990. Na casa deles, ainda moram as avós Juju e Gigi, sendo a primeira delas um amor de criatura e a segunda uma velha meio corrupta que manja dos truques todos. Tem uns bichos estranhos, um pato mestre dos disfarces e acho que na garagem mora o guitarrista Carlos Felino. Se nossos indicadores socioeconômicos forem parecidos, você conheceu pelo menos 50% desses personagens na sua vida real, antes mesmo de chegar aos 20 anos de idade.
Questão óbvia, porém, é que vivenciar o que foi crescer no Brasil nas últimas décadas não ficava restrito a um espaço caseiro. A existência de uma – e apenas uma – empresa no desenho que dá conta de tudo (de aeroportos a álbuns de figurinhas, passando por concurso de dança a shopping center) me faz lembrar aqueles anos que uma cervejaria comprou outra e depois outra e depois não-sei-mais-o-quê e uns papos dos adultos se perguntando se podia uma empresa só ter tantas marcas no mercado. Eu lembro de eu mesma empurrando carrinho das compras do mês da minha avó e notando o mesmo logo no shampoo, no sabão em pó, no suco e no sorvete também. Shostners&Shostners e seus executivos que pensam fora da caixa!
Só que tem umas coisas desse cenário que a gente pensa que não iam conseguir dar muito conta de colocar num desenho animado. Tipo as figuras autoritárias que rondam nossa convivência. Pode ser a diretora da Escola Pônei Encantado, viciada em dizer “Não pode!”, ou o palhaço Rambozo, o militar que surge para impor ordem e autoridade, e dirige seu próprio quartel de palhaços (não à toa, Edson, o pai, lança a frase: “Eu não confio em palhaços; quando eles estavam no poder, eu lutei contra” no episódio “Profissão Palhaço”). E, mesmo não podendo ver desenhos japoneses violentos, o grande herói do Irmão do Jorel é um ator bombado chamado Steve Magal que tem diversos produtos licenciados disponíveis para aquisição e frases de efeito para aplacar a angústia de seus fãs.
Mas de todos os personagens de Irmão do Jorel, eu com certeza me identifico muito com a Lara, que anda de bicicleta pelo bairro, joga futebol com os meninos e tem uma dicção esquisita. Ou o Gesonel vestido de Lara, o que dá na mesma, pois esse pato é o mestre dos disfarces. Doidera pura!
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