Na viagem ao Espírito Santo, no ano passado, passei umas horas na praia, olhando o mar no fim da tarde. De repente, um grupo de homens tirou seus uniformes e entrou na água correndo. Eram homens adultos, que tinham terminado o trabalho do dia. Pegavam jacaré, que é como a gente diz quando a pessoa vê a onda vindo e a “surfa” com o próprio corpo, sendo carregado até mais pra areia. Se divertiam como eu queria que todos os trabalhadores pudessem se divertir depois do expediente. E todas as trabalhadoras também.
Eles usavam uniformes de uma empresa de telefonia, mas nenhum dos colegas era mulher. Os corpos nas praias tem dinâmicas muito diferentes. Não é difícil perceber. Principalmente se na puberdade seus pêlos nas virilhas se tornam indesejáveis, grotescos. E se a forma do seu corpo está sob escrutínio constante, julgamentos frequentes (às vezes somente seus, mas, ainda assim, imparáveis).
Naquela tarde em Vila Velha, pensei que havia então uma nova interpretação para a música de Cindy Lauper. Garotas só querem se divertir. Antes, a letra me dizia que isso era a única coisa que garotas queriam fazer, que elas não queriam encarar a vida com seriedade, não queriam ser sisudas e bem educadas para o lar. Mas, ali, parecia que havia algo mais naquela letra. Garotas só querem se divertir com a facilidade com que os garotos se divertem. Enganar a maré, ser carregada por uma força da natureza, sentir o vento, rir de qualquer bobagem.
Eu sempre gostei muito de esportes, de jogos e atividades em geral (a própria viagem ao Espírito Santo em 2021 foi com a meta de aprender a surfar e, desde então, sonho constantemente que estou de volta ao mar com uma prancha). Entre 2018 e 2020, eu estava em quadras de basquete pelo menos uma vez na semana. Mas foi o futebol a minha primeira – e praticamente única – atividade social na pandemia. Coube aos treinos semanais o encontro com pessoas, a necessidade de aprender novos nomes, conhecer novos rostos. Era o futebol que me fazia sair de casa em praticamente qualquer condição meteorológica e que testava meus pulmões em corridas curtas com máscara.
Tem todo um discurso sobre o reconhecimento da mulher como profissional no mundo do trabalho. Um mundo – sobretudo o do escritório – também hostil à natureza de nossos corpos. E esse discurso enfatiza a necessidade de se reconhecer nas mulheres seriedade e capacidades laborais que não sejam biologicamente definidas. Mas eu queria também o reconhecimento do amadorismo feminino. O amadorismo de uma partida de futebol em dia de semana, de fotografias mal tiradas em câmeras baratas. O amadorismo de uma atividade que não gera lucro, mas apenas distração, sensações, diversão. Como pegar jacaré no fim de uma quinta-feira.
Câmera: Olympus Stylus Epic
Filme: Fujifilm Superia 100 (vencido em 2005)
Revelação: Kodak Mafia