Esse texto é sobre s02e07 de Please Like Me
Qualquer pessoa que diga que eu pertenço a uma geração de egoístas, nunca ouviu falar dos meus pais. Não que eles sejam pessoas ruins; é que, na verdade, eles são só pessoas. Cresci meio rápido, com um estranho senso de responsabilidade que me devorou até pouco tempo atrás. Sempre comentava com meus amigos que o auge da minha maturidade tinha sido aos 15 anos de idade e com certeza tem a ver com as estratégias que criei para não fazer dos meus problemas familiares a narrativa fundamental da minha vida. Faz tipo dez anos que não vejo meu pai, não sei bem por quê, já que morávamos em bairros vizinhos. Como passei 20 anos da minha vida com a minha mãe, também não foram poucas as vezes em que dependíamos apenas uma da outra e que entrávamos em tensão por isso. Amadurecer, pra mim, foi entender que meus pais são meio esquisitos, mas não menos carentes e autocentrados do que eu.
Pensar sobre o sumiço de meu pai e as idiossincrasias da minha mãe significava um grande esforço para não culpá-los, e sim entender os caminhos que eles tomaram para si mesmos. Please Like Me foi a série que melhor deu conta desse estranhamento que de vez em quando eu sinto sobre a humanidade daqueles que me geraram. E que também deu uma dimensão justa aos amigos que me amparam.
A série australiana começa com a tentativa de suicídio de Rose, a mãe do Josh (é considerado spoiler se acontece no episódio piloto?), mas trata com uma estranha leveza e senso de humor as histórias do personagem principal. Há muito com o que se identificar ali. Um grupo de amigos próximos, umas piadas sem contexto entre eles, uma inabilidade constante na paquera. Dos problemas que eu tive até meus 25 anos, só ficaram faltando as horas que gastava no transporte público para chegar na faculdade e os desafios de arranjar trabalho para pagar os textos, o transporte e o bandejão.
No episódio “Mix de nozes e frutas secas”, Josh leva Rose para acampar no mato. Ela está sensibilizada e ele não abre mão de questioná-la usando seu sarcasmo. É ali que eles tem um momento só deles, sem outros personagens. Rose parece mais frágil e forte do que nunca. É ali que Josh garante à progenitora que está tudo bem, e mesmo que ele não saiba diminuir as angústias dela, é ali que eles conversam e convivem de uma forma muito lírica.
Por mais difícil que seja a posição de Josh de ter uma mãe com depressão e um pai que casa de novo e age por impulso na compra de um carro que não combina com a sua idade, ele não abre mão de seus momentos de lazer ou de marasmo com os amigos. Não abre mão de estar em festas ou tirando sarro de sua própria tragédia. Há quem acuse a gente (eu, você, leitor desse texto, e o Josh Thomas) de egoístas. Às vezes o adjetivo cabe. Mas não é uma constante. Josh, Tom e Claire são amigos próximos que sempre contam um com os outros. Por mais que cada um tenha suas demandas, seus incômodos, seus pais problemáticos, eles se ajudam no que podem. E, quando não podem, pelo menos dividem um prato de comida ou uma dose de droga sintética.
Ao longo das quatro temporadas, não há nas personagens qualquer traço de julgamento moral. Tem certas coisas que as pessoas fazem ali (e aqui, nesse lado da realidade) que podem ser taxadas de erradas, mas não se orgulham e quase não se arrependem. Lidar com a tentativa de suicídio da própria mãe não deve ser simples, mas Josh evita culpá-la ou culpar a si mesmo. Não que isso não aconteça, mas podemos acompanhar como são estalos na consciência de alguém que só queria entender melhor o que estava acontecendo. Quando entender beira o impossível, ele volta a dividir a casa com ela, estimula-a a fazer novas amizades, segura sua mão para atravessar pelas pedras um riacho.
A essa altura, já sou muito velha para achar que adultos de 30, 40, 50 anos em diante tem tanto controle de suas vidas como adoraríamos que tivessem (ou como os títulos de matérias sobre gerações parecem crer que tem). Às vezes eu sinto que a forma que arranjei para ajudar meus pais foi evitar dar problemas para eles. A maturidade precoce era isso, era criar formas de me resolver comigo mesma para não despejar em cima daquelas pessoas mais uma responsabilidade. Penso assim pelo bem deles mas pelo meu também. E se isso é egoísmo meu, bem, só eu sei como é melhor assim.
Esse texto saiu primeiro na newsletter No episódio anterior