Em outubro de 2015, escolas estaduais de São Paulo começaram a ser ocupadas pelos seus alunos em protesto contra o que o governo do estado chamou de “Reorganização”. A gente até já explicou por aqui o que isso significava. Com mais de duzentas escolas ocupadas, o governo do estado acabou recuando e suspendendo o plano inicial. O que nos fez lembrar de um caso parecido, que foi inspiração para muitos estudantes paulistas.
Em 2006, mais de cem colégios chilenos foram ocupados por estudantes. Cansados de ir para as ruas fazer protestos e perceber que a cobertura da mídia tradicional valorizava qualquer outro aspecto que não suas demandas (preferindo dar destaque a ações da polícia sobre os alunos — parece familiar?), os estudantes decidiram que ocupariam suas escolas e só desocupariam quando o governo nacional aceitasse dialogar sobre mudanças na educação do Chile. Embora os problemas chilenos com a educação sejam diferentes dos nossos, os métodos de reivindicar o acesso a uma boa escola têm sido compartilhados. E até materiais criados por estudantes da Argentina e do Chile são difundidos entre alunos pela internet.
Essa revolta no Chile foi chamada de Revolução dos Pinguins, por causa dos uniformes usados pelos estudantes. As primeiras reivindicações exigidas pelos manifestantes iam desde exame gratuito de seleção para universidade até reforma dos banheiros em más condições, passando pelo passe escolar gratuito e melhora nas merendas. Depois de semanas de marchas de protesto pelas ruas, poucos avanços tinham sido feitos. A reviravolta veio quando os alunos do Liceu de Aplicação e do Instituto Nacional ocuparam seus edifícios no dia 19 de maio, reivindicando, além das primeiras pautas, a revogação da LOCE e o fim da municipalização do ensino, heranças da ditadura cívico-militar de Augusto Pinochet.
Em 1973, Pinochet foi um dos responsáveis pelo golpe militar que tirou da presidência do Chile Salvador Allende (que, por um acaso, é o nome de uma das escolas que foram ocupadas na zona leste da cidade de São Paulo). Muita gente aponta o período em que esse general ficou no poder como responsável pelos principais problemas enfrentados hoje em dia na educação chilena. O Estado abriu mão de sua responsabilidade como educador e passou para as mãos da iniciativa privada, o que chamam de mudança do “Estado Docente” para um “Estado Subsidiário”. O que acontece por lá é que o Estado dá dinheiro para instituições privadas de educação (esse dinheiro se chama “subsídio”), mas mesmo assim elas cobram mensalidades dos alunos, tendo lucros e comprometendo o orçamento de muitas famílias. Essas medidas aumentam a desigualdade entre as classes sociais, porque fica cada vez mais difícil para os mais pobres chegarem a um patamar educacional comum a pessoas mais ricas.
A Margarita Acuña tinha 15 anos quando ajudou na organização da ocupação do seu colégio, onde era presidenta do centro de alunos. Em entrevista, ela disse acreditar que 2006 foi um ano importante porque trouxe muitas mudanças para a sociedade chilena. A percepção dos adultos sobre os jovens deixou de ser a de que esses eram “a geração que não estava nem aí”. Perguntei a Margarita se os estudantes do colégio dela participaram de reuniões com pessoas de outras escolas. Ela disse que sim e que frequentava encontros da sua região (comuna), em que se conversava sobre educação, da realidade dos seus colégios, da LOCE, e de como se poderia criar uma educação melhor no Chile. Para ela, os encontros eram interessantes porque possibilitaram conhecer realidades de estudantes de outros colégios e de outras situações socioeconômicas e culturais.
A Magarita terminou a entrevista dizendo que a luta e a mobilização de 2006 deram conta de que os jovens tinham sim opinião e que eram muito críticos. Esses estudantes adquiriram um papel muito mais participativo dentro dos colégios. O ano de 2006 permitiu aos estudantes se formarem como mais um ator político e educativo e não ser só um ator passivo dentro dos colégios. Mas ela também enxerga que a Revolução dos Pinguins abriu espaços públicos como as ruas, já que desde o retorno da democracia no Chile não existia uso do espaço público para manifestar-se abertamente. A partir daí, as marchas se tornaram habituais e massivas. É como se o medo instaurado na ditadura tivesse sido perdido para poder dar sua opinião política sem ser castigado. Os jovens estudantes colocaram em xeque naquele momento o lucro, o enriquecimento e as poucas oportunidades dos estudantes que não podiam escolher por uma educação melhor. O modelo de educação foi questionado por aqueles adolescentes. E, em 2015, o modelo paulista de decretar mudanças sem dialogar com a comunidade das escolas também.
Um pouco mais…
Para entender a Revolução dos Pingüins do Chile, falei com Margarita Acuña, li uns textos e assisti ao documentário feito por Jaime Díaz Lavanchy que está inteirinho no Youtube (mas sem legendas, infelizmente).