GRETA
Greta estava sentada a algumas mesas de distância no café da manhã mas se levantou para se sentar comigo. Disse que não gostava de fazer refeições sozinha, mas reparei que já tinha terminado sua comida. Foi seu jeito de disfarçar que queria sentar ali e conversar um pouco. Apresentou-se e eu disse que me chamava Bárbara. “Em alemão existe esse nome”, disse ela. “Sim, em muitas línguas”. Ela sorriu dizendo ser um nome global. Se nos conhecêssemos há pelo menos meia hora mais, eu teria dito que meu nome faz referência a todos os que não estiveram no centro do Império Romano. Seus antecessores, provavelmente. Ela elogiou meu cabelo e pediu para eu não cortá-lo; ainda não o cortei, Greta. Disse que aproveitava as férias para ir a Londres. Sentia-se mais livre na Inglaterra, ao contrário do que a faziam sentir os costumes germânicos. Lembrei-me da artista plástica que conheci em Berlim, que migrou do Reino Unido, porque sentia que ali no continente, na Alemanha mais especificamente, era mais fácil ser livre, longe dos costumes ingleses. A liberdade afinal são os outros.
GERMAN
Paguei-lhe uma cerveja e passamos horas conversando. Tínhamos em comum lembranças de um mesmo lugar que já chamamos de casa. Ele me trazia os chiados da y-griega que eu insisto em emular. Eu levava histórias de um território que ele não via fazia muitos anos. Ele me disse de Alejandra Pizarnik, mais uma poeta suicida para minha coleção mental. (Ele não soube dessa coleção). Perguntou meu signo e constatou que piscinianos e aquarianos rendem mesmo grandes encontros. Apeguei-me a sua mística. Minutos antes de começarmos a conversar, eu vivenciava uma chuva de meteoros.
MARIAS
Maruxa e Coralia morreram antes que eu nascesse e uma estátua das duas, coloridíssima, preenche o parque de la Alameda em Santiago de Compostela. Pelo que sei, saiam as irmãs Fandiño às duas da tarde, todos os dias, a caminhar pela cidade. O contraste das cores com o tempo nublado que encontrei ali era também nas décadas anteriores resistência à opacidade hostil da ditadura franquista na Espanha. Olho suas figuras animadas e olho também os transeuntes a se animar com suas imagens. Não sei se sabem, mas estão diante da representação de mulheres destruídas pela Guerra Civil, com irmãos mortos, familiares torturados, elas mesmas expostas nuas na juventude em praça pública. Não sei se sabem os que olham, e, se sabem, não sei por que sorriem.
MIGUEL
Miguel tinha cabelos grisalhos, a casa emprestada do irmão de um amigo, um telefonema da mãe naquela noite e o beijo mais macio que já beijei. Miguel me quis ainda na praça e eu não soube o que eu mesma queria, por isso segui até o momento em que me decidi. Eu queria ter ficado, mas ainda me abatia uma tristeza dos fatos recentes. Miguel devia saber que eu partiria como um argonauta e consigo imaginá-lo com o vinho e o queijo que deixamos à varanda rememorando em seu sotaque lusitano os versos que dizem “toda a gente que eu conheci e que fala comigo / nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida”.