Este texto é sobre Pushing Daisies
A história é esquisita, mas até bonita. É meu tipo favorito de história, confesso. É sobre um menino que tem poder de trazer à vida o que está morto mas só por um minuto. O primeiro toque acorda o ser do sono eterno, e o segundo toque devolve-o à eternidade. Só que se passar desse tempo, alguém morre no lugar daquele que voltou à vida. Logo no primeiro episódio de Pushing Daisies, Ned ressuscita Charlotte, seu primeiro amor. Só que nunca mais pode encostar nela; tocá-la seria matá-la para sempre.
Na verdade, nem era essa a história esquisita que eu queria contar. Apesar de achar Pushing Daisies uma das séries mais esteticamente agradáveis que já vi, com seus figurinos meio mod e seus esquemas cromáticos, minha vontade é de contar sobre um amor que vivia no etéreo, entre sua própria morte e nosso prosaico toque.
Nós tínhamos vivido um amor real, desses que eu quase nunca tenho. E por muito tempo depois de decretarmos o fim, ainda líamos no outro sinais daquele amor. A leitura, para ser sincera, era complicada, porque os símbolos podiam significar as coisas mais diferentes possíveis. Ler amor podia significar, na verdade, ler lembranças reminiscentes. Ou talvez vontades de um futuro interrompido. Não havia interpretação certa e, por isso, tropeçamos em gestos, palavras e ações um do outro.
Só que nesse afã de tentarmos entender o que estava acontecendo, evitamos toda possibilidade de toque. O afeto foi desmaterializado e os abraços de antes viraram pequenas olhadelas para o canto. Já pensei inúmeras vezes nessa história no esforço de enxergá-la menos esquisita. Uns bons pedaços de torta do Pie Hole provavelmente ajudariam a pensar melhor no assunto, e chegar a alguma explicação elementar, como as que Emerson e Ned buscam ao longo dos episódios de Pushing Daisies para crimes bizarros. Minha aposta, como ponto-de-partida, é que quando nos afastamos, ainda existia amor. Teria sido mais simples se não existisse.
Ned: Você não pode me tocar.
Chuck: Então um beijo é fora de cogitação?
Ned: Acabo de perder minha linha de raciocínio.
Parecia, afinal, que a nossa relação só poderia existir se nos permitíssemos não encostar um no outro. Um toque nos trouxe à vida; um segundo toque poderia nos matar para sempre.
Esse texto saiu primeiro na newsletter No episódio anterior