Um dia, eu tive um medo estranho, atípico até. O medo de que em algum momento eu não aprendesse nada de novo. E que, se aprendesse, seria apenas um incremento de informações. Variações do mesmo tema. Que um novo idioma, por exemplo, seria apenas um conjunto de gramática e vocabulário para alguém que já sabe o que é uma gramática ou um vocabulário. Que uma nova fórmula em uma planilha seria um jeito diferente de fazer uma conta, mas não uma descoberta excitante na matemática.
Era, afinal, um medo de envelhecer, mas que não se manifestava pela mudança na aparência ou na falência lenta e progressiva de capacidades físicas e mentais. Meu medo de envelhecer era um medo de perder o encantamento pelo mundo e seus mistérios.
Quando minha psicóloga me perguntou por que eu tinha inventado de aprender a surfar nas férias, respondi sem pensar muito: “porque cair de skate parece doer mais”. Mas agora eu sei que eu queria mesmo era aprender algo que não fazia ideia se conseguiria (e de preferência sem me ralar toda no concreto).
É um clichê, mas eu me apaixonei pelo surfe. Foram seis aulas, três pranchas diferentes. A gente começou no mormaço, passou pela chuva e fechou com um céu ensolarado, sem nuvem alguma. Em todos os cenários, tartarugas botavam suas cabeças para fora da água em busca de oxigênio enquanto esperávamos a próxima série de ondas. O mar mostrou suas facetas todas, de marolinhas a ondas de uns três metros. Levei caldos históricos – pelo menos para minha própria história – e estoicamente prendia o ar enquanto rodava dentro da onda.
Fui aprendendo que o mais importante é não desesperar. A onda vai te acertar por trás, você vai cair pelos lados, levar um capote quando a prancha entrar de bico… Vai entrar água salgada pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos (tanto que o professor vai comentar sua última subida e você vai só acenar, fingindo que ouviu, e depois vai perguntar “e aí, valeu?”). A onda vai quebrar na sua cara e então você vai perceber que não se desesperou mais.
O professor me disse que o mar é como um livro e que eu só tinha que aprender a ler. Ele não sabia que essa era a metáfora ideal para mim. Como quando livros grandes me assustam, me arrastam, mas persisto e decifro seus caminhos, me prendo em suas algas, não sinto o chão sob meus pés.
Sem desespero talvez signifique fazer no meu tempo, do meu modo.
Deitada na prancha à espera da série de ondas percebo meu corpo. Eu sou um. e ele se move no mundo. E ele faz coisas malucas. Ele me lembra de que estou viva porque me fornece sensações, prazeres.
As células nervosas do meu cotovelo avisam ao meu cérebro que me ralei. A sola do meu dedão dói e demoro tempo demais para me firmar sobre a prancha por causa desse buraco de menos de 2 centímetros na periferia do meu corpo. Uma hora depois de sair do mar, o mundo gira e o chão parece gelatinoso. Na cama, mareio, como se ainda estivesse sobre uma prancha. De um lado para o outro… mas é só na minha cabeça. Bebo água (dessa vez potável) e durmo por 2 horas tarde adentro. Meu pescoço enrijeceu pelas horas que sustentou uma cabeça que ora olhava para o horizonte, ora para a areia, enquanto o corpo se mantinha deitado, equilibrado numa superfície estreita. Meus ombros, forçados a ficarem retos como os de grandes nadadores, latejavam por suportarem sequências infinitas do meu peso sobre eles.
Meu corpo me avisa que eu estou viva. E isso é tão doido que só me resta sorrir.
novembro/2021