disseram que não se volta para onde se foi muito feliz
apenas não se volta, porque decreta-se a morte de algo
de algo que era felicidade e não quer ser outra coisa
tenho pensado em todos os lugares onde fui muito feliz
todos, cada um deles, absolutamente, um por um
e me pergunto se volto um dia
mas às vezes eu até já voltei
às vezes eu andava por ruas e
as memórias me atropelavam
me esmagavam enquanto eu sorria
e dizia “aqui fui muito feliz
daquela outra vez” submersa que
estava na questão mais velha da
filosofia: o rio é o mesmo, mas
não posso cruzá-lo duas vezes
disseram que não se volta para onde se foi muito feliz
e eu me esforço para classificar meus níveis de alegria
e eu me aflijo porque não tenho escala para tanto
fui feliz naquelas ladeiras que me tiravam o ar,
também no alto da plana montanha onde se via o mar
é provável que eu nunca volte
porque a vida parece curta
e pode ser que me entristeça
mas eu lembro da lista de cidades
e províncias e pueblos e rios e
acidentes geográficos para onde
supostamente nunca poderia voltar
e sorrio pois a vida pode ser curta
mas o mundo segue sendo vasto.