Não sei como você veio parar aqui, nem sei quem você é. Eu vou supor que chegou clicando no compartilhamento de alguém numa rede social. Pode ser que tenha sido força do hábito, porque você costuma dar uma olhada nos textos da revista. Ou talvez chegou depois de uma pesquisa de “por que preciso estudar geografia”. De qualquer modo, pouco importa o caminho; me importa pensar quantas vezes você, com livros, cadernos ao seu redor, meteu a cabeça no meio deles e quis gritar POR QUE EU PRECISO APRENDER ISSO?! Pode ser que você ou alguém da sua turma já tenha levantado a mão e perguntado “professora, por que eu preciso aprender isso?”
Quando a gente se pergunta “mas pra que estudar isso?!”, a gente tá enfrentando a forma da escola ao questionar qual é a do seu conteúdo. Porque, se nós não entendemos, é porque nunca fomos consultados sobre se queremos aprender isto ou aquilo. Existem escolas que quebram essas formas ditas tradicionais e se organizam democraticamente, e os alunos podem participar na construção de seus conhecimentos. Mas, de modo geral, as escolas parecem organizadas nos velhos moldes de muitos alunos colocados em classes principalmente por suas idades, com professores que se revezam, cada um falando sobre um assunto diferente, com um recreio no meio.
Por isso, é interessante tentar entender quem falou que aquilo que a gente estuda é o melhor pra gente. As coisas parecem tão prontas que a gente pode acabar esquecendo que elas foram inventadas e construídas… Os currículos escolares inclusive. Tem quem diga que certos conteúdos são ideológicos e não deveriam estar na grade curricular. Pessoalmente, concordo que tem conteúdos que são ideológicos. Mas vou um pouco mais além: todo conteúdo é ideológico. Se um sistema escolar acha que é mais importante ensinar trigonometria do que gênero, é uma questão ideológica. Se um sistema escolar acha que tão importante quanto aprender gramática é incorporar discussões sobre diversidade na sala de aula, é ideológico também.
Perguntei ao professor Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, como a legislação estimula a organização democrática das escolas, e ele destacou o Artigo 3º da LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que foi aprovada em 1996 e rege a educação formal e não-formal no Brasil – que fala da importância desse tipo de gestão. Essa lei, de modo geral, pressupõe que, se a sociedade brasileira se organiza democraticamente, a escola também precisa ser assim, inclusive dando conta de conteúdos sobre cultura afro-brasileira e indígena. Embora esteja na LDBEN, nenhuma escola é obrigada a ser “não-convencional”. Imagina-se que a necessidade de mudar a organização e a estrutura escolar não vem de uma imposição de órgãos externos maiores, mas dos contextos locais, de conversas e discussões dentro da própria escola. Ao ser perguntado sobre os desafios de modelos não-convencionais na prática escolar, Ocimar respondeu que:
“um passado de escolarização voltado para escolha dos ‘melhores’ como uma forma de organizar a ascensão social, fruto de uma concepção liberal que admite a igualdade de oportunidade para todos, mas não o sucesso em igual dimensão, por um lado, e de uma visão da escola como espaço para a aprendizagem da obediência, por outro, limitam a disseminação de experiências mais democráticas.”
Existem pais que, na melhor das intenções, pensam que a escola tem que ser como a vida e, assim, ensinar seus filhos que a sociedade é competitiva. Desse modo, seus filhos aprenderem conteúdos e testarem seu aprendizado constantemente cria padrões em que há melhores, piores, e uma galera no meio. Só que às vezes a gente pira tanto na competição que esquece que o mundo também é feito por relações de solidariedade e cooperação. Uma escola pensada e construída nesses valores não é maluquice, é só uma ênfase diferente em aspectos do mundo em que vivemos.
O problema não é a Geometria, a História, a Educação Física. O problema também não é a fórmula de Bháskara, a primeira Lei de Newton. A culpa não é dos conhecimentos que foram desenvolvidos ao longo de séculos. E quem levanta a mão pra perguntar na sala de aula “por que eu preciso aprender isso?” também não está errado. O professor Ocimar Alavarse inclusive diz que “Os alunos têm o direito de indagar sobre tudo e qualquer coisa que se queira ensinar-lhes, ainda que nem sempre possam contornar determinadas aprendizagens visadas para seus percursos escolares”.
Como a escolarização no Brasil é obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade, a gente acaba tendo pela frente muitos conteúdos com os quais preferia não precisar se preocupar. Os professores – embora a missão seja difícil – não devem deixar esses alunos questionadores no vácuo e, mesmo que a matéria seja imposta, é preciso dar conta de explicar o porquê daquela coisa estar ali. Além disso tudo que foi dito, vale ressaltar que a comunidade escolar é responsável, junto com estruturas políticas, para entender que não é por deixar de tratar de um assunto que ele vai deixar de ser um dado na realidade dentro e fora da escola.