A Seleção Brasileira de futebol masculino foi campeã mundial em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. Mas você sabia que por muito tempo o futebol feminino foi uma atividade proibida no país?
Em um texto muito importante, Virginia Woolf inventa a história de uma irmã de Shakespeare que tinha vontade de escrever peças de teatro e ser reconhecida por isso. Digamos que nada é fácil para a jovem personagem, somente por ela ter nascido menina. Agora, já pensou se o Pelé tivesse uma irmã que desejasse ser jogadora de futebol na mesma época que ele? O que será que aconteceria com ela?
A resposta, infelizmente, é bastante fácil. A suposta irmã teria que mudar de ideia, enquanto via a seleção brasileira masculina de futebol erguer a taça da Copa do Mundo nos anos de 1958, 1962 e 1970. Em 1965 quando o Brasil estava na ditadura militar, o Conselho Nacional de Desportos (órgão criado na época em que Getúlio Vargas comandava o Estado Novo) publicou uma lista de esportes proibidos para mulheres. Na lista estavam o futebol de campo, de salão e de praia. Apesar de a proibição ter caído em 1979, foi só em 1983, quando o país começava a se redemocratizar, que o futebol feminino foi reconhecido como atividade esportiva com regras e puderam criar ligas e uma seleção nacional.
Antes da proibição escrita em lei, o CND já regulava, desde 1941, quais atividades as mulheres podiam ou não fazer. Entendia-se, ali, que alguns esportes não deveriam ser praticados por mulheres porque com esforço físico e possibilidade de colisão com outros corpos, arriscava-se a principal função da mulher na sociedade e no Estado Nacional: a de gerar filhos. Nos anos 1950, mesmo com o fim do Estado Novo, pouco mudou. Em meados daquela década, aconteceram alguns jogos de futebol feminino, mas, em geral, em eventos beneficentes e executados por vedetes como um espetáculo. Se aquela irmã fictícia que inventamos para o Pelé quisesse reunir as amigas para um futebol como atividade de lazer, encontraria bastante dificuldade.
Mas não foi só por aqui que as mulheres foram proibidas de jogar futebol. No próprio país de Shakespeare, a Inglaterra, o banimento veio em 1921 (por coincidência, mesmo ano da primeira partida registrada entre mulheres no Brasil, na cidade de São Paulo). Quem apoiava a medida na terra da rainha, dizia que a existência de times femininos era uma decadência moral para o futebol inglês. Mas até hoje tem quem veja essa atitude como uma grande dose de recalque dos homens, porque, naquela época, um time composto por mulheres chamado Dick, Kerr’s Ladies F.C. mandava muito bem em campo e jogava de igual-para-igual com equipes masculinas (além de às vezes ganhar dos times dos homens, a equipe feminina era bastante popular e atraía uma galera para acompanhar seus jogos!). Lá, a proibição durou 50 anos e só caiu em 1971.
Quando o futebol feminino tornou-se uma atividade reconhecida no Brasil, na década de 1980, ocorreu um boom de equipes de futebol compostas por mulheres. Mas por que será que até hoje em dia, mais de 30 anos depois, é raro escutarmos falar de qualquer uma dessas equipes? A historiadora (e artilheira!) Giovana Capucim e Silva explica: “A falta de patrocínio, estrutura, apoio e jogos regulares fez com que, pouco a pouco, as equipes fossem desaparecendo. A história do futebol feminino no país diz muito sobre a situação atualmente enfrentada pelas atletas que precisam sair do país para se profissionalizar, já que não conseguem viver do futebol.”
Além disso, a falta de referência pesa bastante. Enquanto os meninos crescem ouvindo sobre os lances fantásticos de Pelé, as pernas tortas e talentosas de Garrincha, as defesas espetaculares de Gilmar, as meninas têm poucos exemplos femininos conhecidos à disposição para serem comparadas enquanto chutam tampinha de garrafa de refrigerante no pátio da escola. A gente espera que cada vez mais o impedimento seja apenas uma das 17 regras do futebol de campo, e não uma prática que afaste as meninas dos gramados!