são paulo cenográfica

Semana passada assisti a Reflexões de um liquidificador. Gostei tanto que passei a semana pensando sobre ele em meio a todos os outros pensamentos que tenho que ter. Esses, já previamente agendados sobre todo o resto, são parte do meu expediente de quem quer mostrar pro semestre acadêmico quem é que manda. (meu medo, claro!, é de que ele acabe comigo antes que eu consiga acabar com ele).

O que me chamou especial atenção no filme não é o fato do liquidificador se comunicar com a proprietária, ter voz e reflexões complexas. Isso já é a parte esperada, com o próprio título. O que me atraiu é que o filme se passa em São Paulo. Daí fiquei pensando em outros filmes do cinema nacional que têm um foco mais regional, sobretudo no sertão e no Rio de Janeiro. A princípio, não são filmes felizes, com temáticas facilmente digeríveis. Acho que Hollywood e Bollywood conseguem a felicidade plástica mais fácil do que nosso cinema nacional ou mesmo o cinema europeu. Não é difícil imaginar que não me importo que filmes não tenham final feliz ou uma carga dramática (só desejo que esse drama seja suportável e não me leve ao choro convulsionado como Dançando no escuro do Lars von Trier adoraria ter feito).

Sobre alguns filmes que têm São Paulo como cenário: Reflexões de um liquidificador, É proibido fumar e Durval Discos. Não me lembro de qualquer menção à cidade. Reflexões de um liquidificador explora um pouco mais os cartões-postais, com o narrador (liquidificador) falando sobre a fonte que jorra (no Ibirapuera, é possível identificar) e com a câmera percorrendo a estrutura vermelha que forma o vão livre do Masp. Nos filmes da Anna Mulayert, Durval Discos e É proibido fumar, São Paulo é cenário por suposição nossa, por reconhecermos essa ou aquela rua. Mas, ao contrário do que acontece com Ensaio sobre a cegueira que teve locações aqui, o enredo dos filmes nos leva a crer que a cidade é mais São Paulo do que qualquer outra (em Ensaio a cidade é construída a ponto de não sabermos onde estamos; intencionalmente). Os três filmes têm conflitos, não são histórias felizes. O cenário é uma construção racional mas com uma selvageria potencial. A cidade é barulhenta, as montanhas que por acaso vemos no horizonte estão distantes, inalcançáveis. E os personagens levam uma vida privativa quase absoluta. O desenrolar das histórias se dá em sua maior parte dentro da casa ou do apartamento dos personagens, do Durval, da Baby e da Elvira. Há cenas externas que ou mostram a agitação da cidade, ou ela sendo agitada por algo. Em Reflexões de um liquidificador, a personagem chega a ir para a praia. As cidades do litoral são mencionadas. A capital não é nomeada, sequer é dita como capital. A relação das pessoas acontece nos espaços privados. Aqui, não tem a lavoura, a religião, a comunidade ou a corporação. O que tem são personagens neurastênicos, neuróticos. Por fora, pacatos como o concreto e por dentro psicóticos como a rotina duma grande cidade. Daí que por mais absurda que seja a situação que os filmes trazem, elas me parecem absolutamente verossímeis.

Me identifico com o caos interno dos personagens pela forma tortuosa que me identifico com o caos externo dessa cidade.

0 resposta para “são paulo cenográfica”

  1. Assisti Reflexões de um Liquidificador semana passada também, nauniversidade. Que cincidência. Depois o diretor ainda foi lá, foi muito bom *.*

  2. Também tenho uma tendência a me identificar com o caos interno de certos personagens… São Paulo já foi pano de fundo para muitos filmes incríveis. Assisti outro dia o \”Estômago\”, do Marcos Jorge, com o maravilhoso ator baiano João Miguel. Muito bom!♥Camila Faria

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