presente: ahora y siempre

A idéia de uma história comparada na América Latina é tema que pode dar calafrios em alguns historiadores. Apegar-se ao fato de que cada evento é único no tempo e no espaço é bastante coerente, mas não o suficiente para me impedir de comparar constantemente minhas experiências e conhecimentos sobre Brasil e Argentina. Hoje, especialmente, as comparações afloraram por muitos lados.

Precisava terminar de ler um texto para a aula de amanhã cedo, mas deixei-o de lado e resolvi ir para a rua. Tanto as palavras no papel quanto o que diziam os manifestantes versavam sobre o mesmo assunto: a luta pela memória a respeito da mais recente ditadura militar argentina. A marcha pelo Día de la Memoria aconteceu em muitas cidades argentinas pelo aniversário do golpe de 1976 e é uma das formas de não esquecerem o que se passou. Algumas vezes me sentia sufocada pela dor e pela beleza do ato e, apesar do incômodo que algumas pessoas sentiram pela quantidade de bandeiras, me senti parte de um evento democrático. O verde, o vermelho, o preto, o azul e o amarelo coloriam as ruas e davam uma noção de soma muito mais do que de rupturas. As múltiplas cores rompem com dicotomias e permite que saibamos que a democracia é essa coisa confusa de grupos lutando por ideais diferentes. À frente, iam as mães da Praça de Maio com uma faixa lembrando os 30.000 desaparecidos da ditadura cívico-militar.

Em São Paulo, acostumei-me a andar em manifestações políticas cercada por policiais. Acostumei-me também à idéia de que a caminhada pode descambar, a qualquer momento e por qualquer motivo, em uma violenta repressão. Nas ruas de Santa Fe, no entanto, senti-me espectadora e personagem de uma festa cívica. Não é à toa, porém, que seja importante para os atores sociais daqui ocuparem as ruas. Luis Alberto Romero me ensinou em um texto, que li nessa semana, que

estas organizaciones prefiriron las demonstraciones a los monumentos. Por esa vía, hicieran una doble contribución, a la democracia y a la memoria. Respecto de la primera, sumaron a los escenarios representativos una arena pública de participación directa y activa, en la que lograron éxitos importantes y se convirtieron en actores ineludibles. Respecto de la memoria, contribuyeron a hacer visible lo invisible, y a evitar el olvido.”

Ao contrário do que muitos ainda pensam no Brasil, não é uma luta pela vingança ou não é uma questão de ódio. E também é mais do que uma vontade de que a história não se repita. É uma busca constante para que as instituições democráticas possam agir e existir como tais e para que os erros – se não podem ser reparados – ao menos sejam conhecidos e reconhecidos; penalizados, enfim, como se julga necessário pelas vias institucionais. Por fim, para que a história possa ser escrita não apenas pelos assassinos (como diz determinado personagem do filme “A história oficial”) e para que tenha subsídios o bastante para narrar, interpretar e sustentar sua posição crítica perante os fatos.

Eu adoraria falar um pouco mais sobre a comparação com o Brasil, mas o texto A verdade e o recalque, de Maria Rita Kehl, pode fazer isso por mim nesse momento.

0 resposta para “presente: ahora y siempre”

  1. Não sei se me impressiono mais com esse texto e as fotos ou com os textos e fotos do tempo da África do Sul. De qualquer forma… parabéns por ambos!

  2. Barbara, entrei no seu blog por indicação da Bete, mas juro não saber que se tratava de um material tão impressionante. É fabulosa a sua visão de mundo, sua sensibilidade e inteligência. As fotografias tem algo mais do que beleza, elas são realmente cativantes. Delicada forma de expressão a sua. É provável que arrume tempo só para me embrenhar um pouco mais nas miudezas dos seus textos e na experiência das suas imagens. Boquiaberta e gostosamente encantada. Felicitaciones!!

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