Paramos por alguns minutos na frente da prateleira onde estava o leite e começamos a comentar o aumento do preço. Dos cinco pesos já é possível encontrar um litro por sete e nós de vinte-e-poucos pensamos se era assim que nossos pais viviam com a inflação dos anos 80. No começo do intercâmbio, uma sorveteria aumentou o preço do sorvete de doze para quatorze pesos. A concorrência, porém, continua alimentando o vício de grande parte dos moradores de casa (somos 35, lembrando), ao oferecer três bolas por dez pesos.
Ainda sobre a inflação, participamos de um protesto na universidade que consistia em pagar 5 pesos por um prato de ravioli, com molho vermelho, pão e mixirica, como forma de provar às autoridades que é viável que esse seja o valor do comedor universitário. O pôster do agrupamento que organizou o ato dizia algo como “para que a inflação não Kastigue os estudantes” (o “K”, de Kirchner, é a forma de cutucar Cristina). No momento, os preços variam de 12 a 18 pesos (cerca de 5 a 9 reais). Outras universidades do país, no entanto, contam com comedores muito mais baratos por conta do subsídio, coisa que não existe por aqui.
Adotei uma política de não abrir as newsletters de instituições culturais de São Paulo que chegam na minha caixa de entrada. Abri uma exceção dia desses quando vi o assunto e pensei “Ei, essa palestra parece boa, quem será que a apresentará?” e descobri que era minha orientadora e senti aquilo que queria evitar quando decidi não abrir esses e-mails: vontade de aproveitar a vida cultural de São Paulo. A única analogia possível para essa situação foi feita por uma amiga mexicana. Quando ela está no México, na cidade onde os pais moram, não sente vontade de comer, porque está ali, prontinha, a comida, mas quando vai de volta pra cidade onde estuda, começa a relação direta entre falta de comida preparada e vontade de comer.
Cada vez que um hispanohablante diz que meu espanhol é muito bom, penso que preciso voltar para casa sabendo cozinhar muito bem. Nunca estudei formalmente o idioma, mas por falta de tradição em traduzirem livros importantes para o português, passei grande parte da minha graduação lendo em uma língua que desconhecia. Com uma rara autoconfiança tentei o intercâmbio enviando pelo sistema da universidade o certificado mais xinfrim que pode existir (de um curso online que fiz por dois meses sem nenhum acompanhamento tutoreado ou algo que o valha) e comecei a ver filmes e ouvir músicas em espanhol. Parece que funcionou. Vim para cá com a triste pecha de inábil da culinária e até o momento já posso compartilhar que sinto orgulho de um combinado de legumes com queijo que fiz, do macarrão com brócolis e molho branco, do purê de cenouras. Depois de sofrer com um molho ultra-ácido de tomate em caixinha e descoberto como se faz molho branco já pude inventar de fazê-lo com cogumelo e misturar uns legumes. Minha crença no autodidatismo está alcançando níveis estratosféricos; só não está mais alta que a cotação do dólar paralelo na Argentina.
As famosas coxinhas são usadas por brasileiros como tática de aproximação a pessoas de outras nacionalidades; com bastante êxito, em geral. |
0 resposta para “pequenos relatos envolvendo comida”
Mas que delícia de post, hum?Tá, feito o trocadilho, vamos para a parte em que digo que você está de parabéns pelas analogias e pelas descobertas na cozinha que, como se já não bastassem as fotos, ajudaram a minha imaginação a sentir ainda mais fome depois do jantar.Parabéns, Babi, sério mesmo.
Parece que os brasileiros gostam mesmo de usar suas gostosuras para se aproximarem de outras nacionalidades, ein? Eu semprei usei o brigadeiro.
Essa coisa de usar coxinhas como tática de aproximação é a cara do brasileiro mesmo. Algo me diz que você vai voltar com muitas outras habilidades, além da culinária.
ANsiosa pra você me mostrar a melhor coxinha daí quando for pra Buenos Aires! Por mais que eu tenha estudado espanhol, acompanhar a cultura é um diferencial absurdo e eu tenho mais com o inglês por mais que escute uma ou outra cantora em espanhol. E consigo entender você muito bem, quando eu estou \”em casa\” eu me sinto muito menos produtiva, mas quando morava fora e tinha que fazer tudo e nada de mãos beijadas, eu conseguia administrar meu tempo de uma forma absurda! Pale September
que beleza de post.. adoro ver essas tuas fotos que dizem tanto sabe.. imagino o quanto voc deva etsar aprendendo, acho que essa é a grande graça do intercambio. Sinto tanto pelos argentinos estarem passando por situações economicas como esta e espero q consigam se recuperar em algum momento, alem de ficar super orgulhosa de saber que você está aí os tentando ajudar. beijos bejos babi <3