saídas

gran pueblo argentino

Com uma mochila de quase meu tamanho, recheada com metade roupa, metade livros, cadernos e textos, peguei o ônibus em direção à cidade de Córdoba. Ligeiramente desesperada por ter decidido me dar uma semana de folga no meio do semestre, procurei compensar fazendo análises de contos do Borges enquanto tomava chá e comia alfajor de maisena na casa de um desconhecido (que se foi de viagem e me deixou com a chave do apartamento). Em alguns momentos me vi super argentina. Entrei em um pequeno restaurante e pedi a comida típica das datas comemorativas: o locro, feito à base de milho. Por coincidência, o restaurante se chamava Ayrton e almocei escutando um menininho de uns doze anos me contando que o nome vinha da admiração do pai pelo Senna, e me narrando seus grandes feitos. Além do locro, enquanto rolava um festival de rock pelo Dia da Pátria, compartilhei mate com dois rapazes da cidade que esperavam ansiosos pelo show de Las Pelotas. A festa cívica deles é invejável. Considerando que em um espaço de 24 horas eu vi a Orquestra Sinfônica da Província de Santa Fe começando um concerto com o Hino Nacional (peguei gosto por esta versão de Mercedes Sosa) e terminando com Astor Piazzolla e fui a esse festival organizado pelo governo da Província de Córdoba, pareceu-me bastante diferente dos desfiles militares dos nossos Sete-de-setembros.

nuevos amigos

Percorri de trem os 700 quilômetros que separam Córdoba de Buenos Aires e, 21 horas depois, compartilhando assento com um senhor que lia Martín Fierro de José Hernandez, usando um anel em forma de índio na mão esquerda e carregando apenas um saco acinzentado como bagagem (sim, vi uma dimensão lendária de gaucho nesse homem), cheguei à Capital Federal. Quando organizei minha vinda à Argentina, pensava que não iria a Buenos Aires, por já ter passado duas semanas na cidade em 2011. Ganhei um ótimo motivo para voltar a ela: a vinda de uma amiga querida. A cidade não mudou quase nada – apesar do caos que se converteu por uma série de reformas urbanas que acontecem atualmente – mas me ensinou que os espaços são cheios de subjetividades nossas. A cidade não mudou, mas para mim foi como estar em outro lugar, totalmente distinto. Se não foi o exterior que sofreu alterações, algo muito profundo parece ter se passado no meu interior. Reencontrei lá, além da Viviane e seu delicioso creme de abóbora com queijo, as obras da Adriana Varejão que estavam expostas no Malba e um tempo para mim mesma. Sair de casa foi também uma possibilidade para reencontrar a possibilidade de silêncio e mergulhar nos meus próprios pensamentos como já não fazia havia muito tempo.

pequeños pasos

Outro dia assistimos ao filme Albergue espanhol que – não, não é de terror – conta a história de um guri francês que vai fazer intercâmbio na Espanha. Rimos com as comparações evidentes que há com as nossas vidas de estrangeiros, com a burocracia do processo, as dificuldades de adaptação e o estranhamento com a volta (que já pressentimos, embora não tenhamos vivido). No entanto, chegando da minha marcha a oeste e a leste (estou no centro do país), sentei-me para tomar chá e conversar com as pessoas e me dei conta de que muitas vezes o filme que trata da nossa vida é O anjo exterminador, do Buñuel. Ainda que termine o chá e as bolachas e ainda que uma série de outras coisas nos esperem em nossos quartos, por algum motivo desconhecido e com certa frequencia, não conseguimos sair de um mesmo ambiente onde começamos a conversar. O bom é que as similaridades param por aí: nunca estamos vestindo trajes de gala nem nos afogamos em tédio quando estamos juntos.

en el cielo

(As fotos são do Dia da Pátria em Córdoba)

0 resposta para “saídas”

  1. O céu da Argentina é uma coisa absurda de linda. Eu vejo aqui em São Paulo e não sinto a mesma coisa quando vejo fotos e lembro de Buenos Aires. Que delícia deve ser se sentir uma argentina, né Babi?

  2. Que delícia!!!! Suas experiências, suas vivências, o ambiente, as pessoas, o céu, as crianças, os restaurantes, as comidas… Posta mais. Eu sei que está difícil; é muito gostoso ver suas fotos e ler seus textos. bjão

  3. Adoro como escreves, sabia? Os detalhes que você dá, a tua visão do mundo e a forma como aproveita ele. Eu acho lindo e ainda fica mais bonito quando podemos ver pelos seus olhos, como na foto. 🙂Pale September

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