o ano da música na minha vida

Era 2021. Fui para a Avenida Paulista, com a máscara tapando meu nariz e minha boca. Já era fim de tarde, no outono e começava a anoitecer cedo. Não estava com vontade de conversar com ninguém, e pensei que a máscara seria perfeita em impedir que possíveis conhecidos que estivessem na mesma região naquele dia me notassem. Queria de volta a experiência de ser mais uma na multidão, depois de meses em casa.

Já fazia algumas horas que eu estava por ali, e decidi fazer uma foto com o celular. Escuto, então: “Bárbara?”. Um pouco desacreditada de ser reconhecida, vejo que é meu ex-namorado quem me descobre, no escuro, de máscara, meio de costas. Pergunto em silêncio aos céus “qual a chance?!” e o cumprimento de volta. Apesar do reconhecimento improvável e de tudo o quê há de esquisito, nós dois nos damos bem e, por isso, aproveitamos a ocasião para ficarmos alguns minutos conversando em pé, no meio da avenida.

Passamos por muitos assuntos em pouco tempo, desde como vai a família até em que momento cada um de nós dissociou na pandemia. Comentamos sobre nossos trabalhos e eu devo ter dito algo sobre nunca saber o que quero da vida. E então eu me lembro com algum carinho da resposta que ele me deu, a resposta que só quem me conhece profundamente e há muitos anos poderia ter dado. De um modo muito generoso, disse que eu sou assim mesmo e que sempre me dei bem com não saber o que quero da vida. Isso era uma grande angústia na época em que namorávamos, ele muito jovem e bem-sucedido e eu ganhando pouco, sempre agoniada com o futuro (porque o presente não me garantia nada nunca). Eu sempre com medo de que as coisas dessem errado enquanto tinha um compromisso muito profundo comigo mesma, de buscar caminhos para fazer o que me desse prazer.

Naquele primeiro semestre de 2021, eu não tinha como imaginar que terminaria o ano mudando de área no trabalho e, agora, com o fim de 2022, completei um ano inteirinho trabalhando com música. Não existe nada de motivacional em dizer que não sei como vou parar nos meus trabalhos, mas essa sensação de sempre ser meio caloura em um novo curso me estimula muito. Acordar todos os dias e ir a um escritório trabalhar pode ser muito chato e frustrante (certamente é), mas a minha illusio cotidiana é a de que vale a pena sair da cama para conhecer coisas novas e – eventualmente – me apaixonar por elas.

Por isso, decidi que a minha “retrospectiva” de 2022 seria sobre minha aproximação com a música nesse ano, só que no horário fora do expediente. Deixo aqui recomendações de séries, podcasts e newsletters sobre música, com o que mais gostei envolvendo música.

Séries

Mark Ronson e a evolução do som

Antes de começar a trabalhar com música propriamente dita, o som era apenas por acaso um tema para mim. A música me interessava como um dado cultural, da mesma maneira como me interessam os idiomas, as comidas ou as religiões dos lugares. O som se tornou uma questão quando inventei de fazer um podcast, no qual falaria de cultura visual sem ter como mostrar nada. Não à toa, essa contradição foi o tema do primeiro episódio. Na série Watch the Sound with Mark Ronson (Mark Ronson e a evolução do som, em português), o DJ e produtor musical Mark Ronson faz o contrário do que fiz no podcast: ele usa o audiovisual para mostrar o som, a partir de temas que dão nome aos episódios. Há muita boa vontade na forma como a série trata elementos tecnológicos que foram incorporados ao fazer musical em diferentes momentos (os episódios são, na ordem, sobre: auto-tune, samplers, reverbe, sintetizadores, máquina de ritmos e distorção).

The Beat Diaspora

Também em seis episódios, The Beat Diaspora está disponível no canal do Kondzilla e faz uma viagem pela musicalidade da diáspora africana. Começando em São Paulo, pelo funk paulista, gênero que consagrou as produções do próprio Kondzilla (e que por sua vez consagrou o gênero com sua linguagem audiovisual), passa também pelo brega funk de Recife, pelo reggaeton de San Juan, pelo dancehall de Kingston, pela música eletrônica de Salvador, desembocando na Nigéria com seus afrobeats.

Som na Faixa

Uma frase que eu repito com frequência é “ninguém é vilão da própria história”. E certamente, se um magnata de uma grande corporação do ramo da tecnologia decidisse contar sua história, não faria isso dizendo que é o malvado da história. Em Som na Faixa (ou “a série lá do Spotify” como é mais comumente chamada), cada personagem-chave na criação da plataforma de áudio mais usada no mundo tem a chance de “contar” sua versão sobre ela. A série sueca começa com um episódio sobre o fundador, Daniel Ek, o que a faz parecer celebratória, o homem que resolveu o impasse entre o mercado da música e consumidores, desarticulando a pirataria. Para além da música, a série dá um alguns motivos para quem vive uma estafa com relação à tecnologia: afinal, todos os nossos sonhos de um ambiente de trocas e conhecimento infinito se tornaram mercadorias na mão de um punhado de magnatas?

Podcasts

Case Notes

Podcasts e histórias de crimes reais têm relações bem profundas. Case Notes apresenta histórias de mistérios envolvendo grandes nomes da música clássica, usando de materiais de arquivos e entrevistas com especialistas.

Projeto Querino

Projeto Querino é dos melhores podcasts que escutei no ano. Em cada um de seus oito episódios, investiga-se as relações raciais no Brasil, desde a colonização. Mas no terceiro episódio, chamado “Chove Chuva”, há uma belíssima interpretação sobre o poder da música de Jorge Ben Jor, passando por outros grandes nomes que inventaram a tal da música brasileira.

Ser Sonoro

Ser Sonoro é uma criação do pesquisador Fernando Cespedes, que recomenda que o escutemos em casa, num ambiente silencioso com fones de ouvido. Tentei seguir a recomendação o máximo que pude, mas em duas ocasiões saí na rua com um episódio tocando nos meus fones. Me fez entender a recomendação, e, ao mesmo tempo, perceber o quão barulhenta é a vida na cidade.

Newsletters

Meus discos, meus drinks

Há alguns meses, semanalmente, chega na minha caixa de e-mail um texto de Bruno Capelas comentando sobre um álbum e sugerindo um drink para acompanhar. Na newsletter Meus discos, meus drinks, dá pra conhecer música que nunca parei para ouvir, entender melhor álbuns já conhecidos e buscar conforto no familiar (tudo isso vivendo o espírito de nosso tempo).

semibreve

Gosto muito das escolhas editoriais da newsletter quinzenal de Dora Guerra. Tem participação dos leitores, novidades, indicações e textão opinativo sobre música.

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